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Étant donné
Marion (1998) – O último princípio
A doação
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A demonstração metafísica e a mostra fenomenológica
- A oposição fundamental entre a demonstração, que caracteriza as ciências e a metafísica ao fundar a aparência no fundamento para conduzi-la à certeza, e o mostrar, que define a fenomenologia ao deixar a aparência aparecer para realizar a sua plena aparição e recebê-la tal como ela se dá.
- A contestação do pretenso privilégio da visão na fenomenologia, argumentando que este cede frequentemente ao primado do toque ou da escuta e que o seu pressuposto ruinoso é o de que a aparência remete para a percepção, quando o objetivo fenomenológico é transcender toda a impressão percebida para aceder à intencionalidade da própria coisa.
- A tese de que as especificações subjetivas da aparência pelos sentidos perdem importância essencial quando a aparição domina o aparecer, sendo sempre a coisa que advém em pessoa, independentemente do sentido envolvido.
- A conclusão de que o privilégio da visão só se torna determinante uma vez falhado o privilégio decisivo da aparição da própria coisa no seio da sua aparência, constituindo este último o assunto próprio da fenomenologia.
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Da mostração ao deixar-se mostrar
- A correção do ponto de partida: em regime fenomenológico, não se trata apenas de mostrar, o que manteria a aparição como objeto de uma tomada de vista, mas de deixar a aparição mostrar-se na sua aparência segundo o seu aparecer.
- A constatação de que a simples passagem da demonstração para a mostração não modifica o estatuto profundo da fenomenalidade, tendo muitos ensaios de fenomenologia repetido o privilégio metafísico da percepção e da subjetividade.
- A exigência de um segundo passo: passar de mostrar a deixar-se mostrar, da manifestação para a manifestação de si a partir de si daquilo que se mostra.
- O paradoxo inicial e final da fenomenologia, que toma a iniciativa de a perder, ambicionando apenas desaparecer na manifestação incondicionada daquilo que se mostra a partir de si mesmo.
- A afirmação de que o começo metodológico só estabelece as condições da sua própria desaparição na manifestação original do que se mostra.
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A contra-método da redução
- A dificuldade do paradoxo fenomenológico, que provocou, desde o início husserliano, uma retomada incessante do tema do método.
- A concepção da redução como a operação por excelência que suspende obstáculos para deixar a manifestação manifestar-se, funcionando como uma "fenomenologia negativa" que desimpede o caminho.
- A analogia entre a redução e a força pública num estado de direito, que deixa as manifestações passarem, usando a sua força apenas contra violências teóricas ilegítimas.
- A descrição da dificuldade da redução, que deve ser feita para ser desfeita, abrindo o espetáculo do fenômeno como um cenógrafo onipresente para se tornar uma cena esquecida e indiferente, absorvida pela autoencenação do fenômeno.
- A definição do método fenomenológico como um método de viragem, um contra-método que volta contra si mesmo e consiste neste próprio retorno.
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Questão de princípios
- O problema de atribuir um princípio a um método que toma a iniciativa de se desfazer da iniciativa, questionando se o próprio conceito de princípio deve sofrer a viragem fenomenológica.
- A análise das três formulações de princípios na fenomenologia, seguindo M. Henry, duvidando da sua coerência e do seu acesso à manifestação.
- A crítica ao primeiro princípio, "Tanto aparecer, tanto ser", por consagrar uma oposição platônica tradicional e deixar o aparecer indeterminado, tornando-se fenomenologicamente insignificante sobre a mutação da fenomenalidade em manifestação.
- A crítica ao segundo princípio, "Direto às coisas mesmas!", por ordenar o aparecer a "coisas" supostamente já lá e disponíveis, revelando a sua inadequação à viragem fenomenológica ao pressupor o primado do ser sobre o aparecer.
- O exame detalhado do "princípio de todos os princípios" de Husserl
Husserl
Edmund Husserl EDMUND HUSSERL (1859-1938) , que liberta a fenomenalidade da exigência de um fundamento e do quadro analítico kantiano, mas ao preço de tornar a intuição na medida da fenomenalidade, impondo-lhe um a priori e restringindo-a à intencionalidade do objeto, contradizendo assim a fenomenalidade que pretende libertar.
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Tanto de redução, tanto de doação
- A proposta de uma quarta formulação do princípio fenomenológico: "Tanto de redução, tanto de doação", justificada pelos textos de Husserl
Husserl
Edmund Husserl EDMUND HUSSERL (1859-1938) e pelo seu conceito. - A demonstração, através de citações de "A Ideia da Fenomenologia", da conjunção estabelecida por Husserl
Husserl
Edmund Husserl EDMUND HUSSERL (1859-1938) entre a redução e a doação, onde um fenômeno só se torna absolutamente dado na medida em que é reduzido, e a redução só se exerce fenomenologicamente para dar a ver o fenômeno. - A explicitação conceitual do elo entre redução e doação: a redução restringe o aparecer à verdadeira doação e reconduz o aparecer ao absolutamente aparente, funcionando como um "rabatteur" do visível em direção à doação, medindo o teor de doação de cada aparência.
- A forma como este princípio permite superar as aporias dos outros três: levantando a ambiguidade do "Direto às coisas mesmas!" ao reconduzir o transcendente aos vividos que se dão à consciência; excluindo a assunção de toda a transcendência real, dissipando a ambivalência de "Tanto aparecer, tanto ser"; e libertando a doação dos limites da intuição, revelando a contradição do "princípio de todos os princípios" ao mostrar que a doação, ao contrário da intuição, não conhece limites e se exerce absolutamente.
- A proposta de uma quarta formulação do princípio fenomenológico: "Tanto de redução, tanto de doação", justificada pelos textos de Husserl
Husserl
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A "pedra de tropeço"
- A compreensão de como invocar um princípio na fenomenologia não contradiz o direito do fenômeno de se mostrar a si mesmo, pois o princípio da doação afirma que nada precede o fenômeno a não ser a sua própria aparição a partir de si.
- A caracterização do princípio da doação como um último princípio, e não um primeiro, que intervém a posteriori para sancionar, por redução, o que no aparecer merece o título de fenômeno dado, deixando assim o fenômeno advir de si mesmo.
- A afirmação de que o princípio "Tanto de redução, tanto de doação" liberta o fenômeno dos princípios a priori, contradiz a definição metafísica de princípio e renuncia a fundar o fenômeno para lhe deixar a iniciativa da sua aparição.
- A tese de que a doação se torna a condição não fundadora mas absoluta da ascensão do fenômeno para a sua própria aparição, e que a sua recusa equivale a bloquear a possibilidade de o fenômeno se mostrar a partir de si mesmo.
- A citação do jovem Heidegger que identifica a doação como a "palavra mágica da fenomenologia e a ’pedra de tropeço’ para todos os outros", sublinhando a disputa entre os que a consideram um escândalo e os que a veem como magia.
- A proposta de uma terceira via: que a doação articula racionalmente os conceitos que dizem o fenômeno tal como se manifesta, contestando a suposição de que não pode aceder ao conceito.
Ver online : Jean-Luc Marion
MARION, Jean-Luc. Étant donné: essai d’une phénoménologie de la donation. 2e. ed. Paris: PUF, 1998.