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Étant donné

Marion (1998) – "Étant donné" (preliminares)

Réponses préliminaires

  • A compreensão espontânea e erudita da expressão "étant donné", que insere um artigo para ler "l’étant donné", interpretando "étant" como um substantivo que se refere ao "ente" dos filósofos, concluindo assim que o que existe se encontra também dado, reduzindo a fórmula à afirmação metafísica de que há ente em vez de nada.

    • A incoerência exposta por esta leitura comum, que, ao admitir que o ente é dado, não explica a justaposição dos termos "étant" e "donné" sem artigo, cópula ou transição, levantando a questão de se "donné" equivaleria banalmente a "est donné" e se "étant donné" seria apenas uma glosa da tautologia "o ente – aquilo que – é", o que tornaria o termo "dado" supérfluo e impreciso, fazendo com que esta leitura multiplique "étant" e esqueça inteiramente "donné".
  • A necessidade de abandonar a leitura espontânea e erudita para ler "étant donné" como ele se apresenta: sem artigo, onde "étant" deve ser tomado como um verbo auxiliar que trabalha para outro verbo, preparando e realizando o que, no final, se mostra como "dado".

    • A afirmação de que "étant donné" indica que o dado já se deu de forma irrevogável, de modo análogo a como "étant fait" afirma que o fato se fez, "étant acquis" que o adquirido está definitivamente adquirido, ou "étant dit" que o dito tem o estatuto de promessa.
      • A função de "étant" como auxiliar que prepara "donné", conferindo-lhe a força de um fato consumado, e que se deposita inteiramente no "dado", desaparecendo nele para atestar a sua dação.
        • A descoberta do dado como um dado que não deve nada a ninguém, dado enquanto dado, que se ordena à doação e nela emprega o "étant", conquistando assim a sua doação e fazendo com que o ser verbal desapareça ao se cumprir.
          • O desdobramento verbal, no dado, da sua própria doação, o que se nomeia como "o pli du donné" (a dobra do dado), onde o ser auxiliar se coloca a serviço da doação.
  • A retomada da questão colocada na obra "Réduction et donation. Recherches sur Husserl Husserl
    Edmund Husserl
    EDMUND HUSSERL (1859-1938)
    , Heidegger et la phénoménologie" de 1989, que inicialmente se pensou ser um mero exame histórico do desenvolvimento do método fenomenológico.

    • O exame do surgimento da redução na objetidade em Husserl Husserl
      Edmund Husserl
      EDMUND HUSSERL (1859-1938)
      , da virada da redução para a entidade para aceder ao ser do ente para o Dasein em Heidegger, e da possibilidade de radicalizar a redução pura ao dado como tal.
      • A aparente banalidade da leitura dos textos canônicos que impunha esta trajetória, e a surpresa perante o privilégio concedido à doação, que poderia ser vista como uma simples tradução de um conceito reduntante em Husserl Husserl
        Edmund Husserl
        EDMUND HUSSERL (1859-1938)
        , a "Gegebenheit".
        • A defesa de que a possibilidade de aceitar este conceito deveria depender das exigências da própria coisa e não de etiquetas de pensamento ou modas ideológicas.
  • O equívoco dissipado pelo debate que a obra "Réduction et donation" suscitou, com as suas reações positivas e negativas, que provou que nela se haviam avançado teses mais pesadas do que inicialmente se imaginara.

    • O reconhecimento da dívida e gratidão para com aqueles que, através de acordos, desacordos e equívocos, indicaram os verdadeiros desafios e novas dificuldades que exigiam uma decisão.
      • A enumeração das interrogações que o presente trabalho tenta responder, organizadas em seis pontos principais que estruturam a obra.
        • A tematização do novo princípio "Autant de réduction, autant de donation" ("O quanto de redução, o quanto de doação"), mais adequado e último para a fenomenologia, que conduziu a uma nova definição, mais ampla e elementar, do fenômeno como dado, e o projeto de deduzir e articular todos os caracteres do fenômeno a partir desta determinação.
          • O questionamento radical sobre o caráter dado do dom, perguntando se ele pode conceber-se como dom sem aniquilar todo o conteúdo, todo o ator e toda a intriga, e a distinção essencial proposta entre a doação fenomenológica do dado e a temática comum do dom.
            • A discussão sobre o possível retorno a uma "metafísica especial" que a doação implicaria, supostamente ao supor um doador transcendente ou mesmo teológico, e a questão mais essencial sobre a possibilidade de desdobrar a doação no quadro da imanência reduzida.
              • A interrogação sobre a natureza da terceira redução e se ela ainda se cumpre no campo da fenomenologia ou se a poderia subverter ou perder, com a tentativa de estabelecer que ela permite pôr em cena os fenômenos enquanto tais, reconduzindo-os ao seu estatuto de puro dado com determinações radicalmente não metafísicas.
                • A capacidade da redução da fenomenalidade à doação para descrever fenômenos excepcionais, ignorados ou excluídos pela metafísica e pela fenomenologia anterior: os fenômenos saturados de intuição, nomeados como paradoxos.
                  • A determinação do fenômeno como dado, que pode e deve dispensar todo o doador, mas que advém sempre a um donatário, descrito como "o adonné", sem outro "subjectum" que não a sua aptidão para receber e se receber daquilo que recebe.
  • A defesa do tema único de que o fenômeno, que se define como aquilo que se mostra em si e de si mesmo, só pode atestar-se na medida em que primeiro se dá.

    • A crítica ao pensamento que não reconhece o dado, tornando-se impotente para receber muitos fenômenos pelo que são – dados que se mostram – e excluindo do campo da manifestação não só muitos fenômenos, mas sobretudo os mais dotados de sentido e os mais poderosos.
      • A afirmação de que só uma fenomenologia da doação pode voltar às coisas mesmas, porque para a elas voltar é preciso primeiro vê-las, logo, vê-las vir e, por fim, suportar a sua chegada.
  • A disputa de duas questões remanescentes: a relação da fenomenologia com a metafísica e a abordagem do fenômeno da Revelação.

    • A assunção de que a fenomenologia se escapa da metafísica, mas com a ressalva de que Husserl Husserl
      Edmund Husserl
      EDMUND HUSSERL (1859-1938)
      guarda decisões kantianas e Heidegger guarda a subjetividade no Dasein e o privilégio da questão do ser, levando a admitir que a fenomenologia não supera de facto a metafísica, mas abre a possibilidade de direito de a deixar a ela mesma.
      • A tese de que a fronteira entre metafísica e fenomenologia passa no interior da fenomenologia como a sua mais alta possibilidade, e que a via fenomenológica ainda não atingiu o seu termo.
        • A defesa da descrição dos fenômenos saturados ou paradoxos, incluindo o fenômeno da Revelação, nomeadamente o Cristo, contra a acusação de um volteio teológico indevido, por duas razões principais.
          • A primeira razão: todo o fenômeno deve poder ser descrito e toda a exclusão de princípio volta-se contra quem a exerce, sendo que o próprio conceito de Revelação pertence de pleno direito à fenomenalidade e deve ser considerado mesmo para o contestar.
            • A segunda razão: a abordagem da Revelação não é feita na sua pretensão teológica à verdade, mas esboçada como uma possibilidade da fenomenalidade, o paradoxo dos paradoxos, tal como se realiza no caso de um eventual fenômeno saturado, sendo que a sua descrição não faz exceção ao princípio da redução à imanência.
              • A comparação com os fenômenos que Husserl Husserl
                Edmund Husserl
                EDMUND HUSSERL (1859-1938)
                pensava poder descrever apenas por variações imaginativas, cuja simples possibilidade merece análise e "Sinngebung".
                • A afirmação de que o relacionamento entre uma fenomenologia a edificar e o facto da Revelação não difere fundamentalmente do relacionamento que a filosofia enquanto tal mantém com ela, e que hoje não se está em condições de sequer colocar essa questão.
  • A reafirmação do tema único: "o que se mostra, primeiro se dá", e a tentativa de o manter e orquestrar ao longo de todo o trabalho, sem sustentar qualquer outra tese implícita ou esotérica.

    • O apelo ao leitor benevolente para evitar equívocos, afirmando que se quer dizer o que se tenta dizer e não o inverso do que se disse, exemplificando com três pontos: a doação reduzida não pede um doador, mas também não insinua um doador transcendente; a fenomenologia da doação ultrapassa a metafísica, mas não a restaura; a oposição do "adonné" à subjetividade transcendental não sugere o renascimento do "sujeito" na doação.
      • O reconhecimento de que tais equívocos provêm da dificuldade intrínseca das questões abordadas e das próprias insuficiências ou ignorâncias do autor.
        • A consciência da inadequação do ensaio face ao que é preciso pensar, expressa pela citação de Bembo: "e per piú non poter fo quant’ io posso" – "e não podendo mais, faço o quanto posso".
          • A esperança de que outros irão mais longe, pois a fenomenalidade do dado vale mais do que o que sobre ela se diz e ela o fará ver, já que o que o livro consegue dizer fica aquém do que se concebeu sem o poder formalizar, e o que se concebeu fica, por sua vez, muito aquém do que se viu.

Ver online : Jean-Luc Marion


MARION, Jean-Luc. Étant donné: essai d’une phénoménologie de la donation. 2e. ed. Paris: PUF, 1998