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GA29-30:91-92 – o contraditório não pode ser?
quarta-feira 13 de dezembro de 2023
“O que dorme” está ausente de uma maneira característica, e, contudo, está aí [das Da]. Quando despertamos uma tonalidade afetiva [Stimmung], um tal despertar indica que ela já estava aí. Mas ele expressa ao mesmo tempo o fato de a tonalidade afetiva não estar de certo modo aí. Se quiséssemos continuar filosofando aqui em sentido comum e formal, poderíamos dizer imediatamente: algo que está e não está ao mesmo tempo aí possui um tal ser, que se contradiz internamente. Pois estar-aí e não-estar-aí é uma evidente contradição [Widerspruch]. Mas o contraditório não pode ser. O contraditório é em si mesmo impossível – este é um velho princípio da metafísica tradicional exatamente como um quadrado redondo não pode ser. Veremos que não apenas colocamos em questão este princípio da metafísica antiga, que tem por base uma concepção de ser totalmente determinada, mas que precisamos mesmo abalá-lo desde o seu fundamento.
Mas o que conhecemos das coisas em geral não se encontra de forma inequívoca sob a disjunção ou-ou [Entweder-Oder]?!? Elas estão ou não estão simplesmente dadas. O mesmo não vale também para o homem?!? Certamente: ou bem ele está aí, ou bem ele não está aí. Alguns lembrar-se-ão, porém, ao mesmo tempo, do fato de, ainda assim, o estado das coisas ser aqui diverso do que se dá junto a uma pedra. Pois sabemos, a partir da nossa própria experiência enquanto homens, que algo pode estar presente em nós, e, apesar disto, não estar presente; que há processos que nos pertencem e que, contudo, não ganham o interior de nossa consciência [Bewusstsein]. O homem tem uma consciência e algo do que nada sabe pode estar presente nele. Uma pedra possui ou não possui uma propriedade. Ao contrário, nós podemos ter e ao mesmo tempo não ter algo – mesmo por isto nada saber sobre este algo. Fala-se de qualquer modo do inconsciente. O inconsciente está sob um certo aspecto presente, e, entretanto, sob outro aspecto não está presente: [80] sob o aspecto de sua não consciência. Este “estar presente e ao mesmo tempo não estar presente” característico surge a partir da clareza possível da consciência quanto ao inconsciente. Esta diferença entre o não-estar-aí no sentido do inconsciente e o estar-aí no sentido do consciente também parece ser a mesma diferença que sustenta o que temos em vista com o termo despertar [Weckung]; mesmo com o despertar do que dorme. Mas podemos equiparar, afinal, sem mais o sono [Schlaf] com a ausência de consciência? De qualquer maneira, a ausência de consciência também se dá no desfalecimento, que não pode ser identificado com o sono; e só se dá mesmo propriamente com a morte [Tod]. Assim, este conceito do não consciente é amplo demais; e isto abstraindo-nos da questão acerca de se ele é antes de mais nada adequado ou não. Por outro lado, o sono não apenas não é simplesmente uma ausência de consciência, mas, ao contrário, também sabemos que justamente ao sono pertence uma consciência característica e em muitos casos elevadamente vital: o sonho [Traum]. Deste modo, aqui acaba por cair por terra plenamente a possibilidade de caracterizar algo através da diferença entre “consciente” e “inconsciente”. Despertar e dormir não são correlatos das noções de consciência e inconsciência. [tr. Casanova
Casanova
Marco Antonio Casanova
Marco Casanova
CASANOVA, Marco Antonio. Filósofo e tradutor para português das obras de Heidegger.
, p. 79-80]
Ver online : Die Grundbegriffe der Metaphysik. Welt – Endlichkeit – Einsamkeit [GA29-30]