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GA24:222-224 – sujeito-objeto
Rickert talvez conceba de maneira mais formal a relação sujeito-objeto [Subjekt-Objekt-Beziehung]. Ele diz: “Os conceitos do sujeito e do objeto se requisitam mutuamente, tal como também o fazem outros conceitos, por exemplo, o conceito de forma e de conteúdo ou o de identidade e de diversidade [Andersheit]” [1]. No entanto, é preciso perguntar aqui: Por que é que esses conceitos, sujeito e objeto, se requisitam mutuamente? Ora, evidentemente apenas porque o que é com isto visado se requisita. Mas um objeto requisita um sujeito? Manifestamente, pois algo que se encontra contraposto [Entgegenstehendes] é sempre um contraposto para aquele que o apreende. Com certeza. Ora, mas todo ente é [230] necessariamente objeto? Os processos naturais precisam ser objetos para um sujeito, a fim de que eles possam ser o que eles são? Evidentemente não. O ente é considerado desde o princípio como objeto. Assim, pode ser deduzido daí o fato de pertencer a isto um sujeito, pois com a caracterização do ente como objeto já coposicionei tacitamente o sujeito. Com essa caracterização do ente como objeto (Objekt) e do ente como aquilo que se encontra contraposto (Gegenstand) [2], contudo, já não tenho mais o ente nele mesmo com vistas ao seu modo de ser próprio e a ele pertinente, mas o ente como algo que se encontra estabelecido em uma posição contraposta, como algo que se encontra contraposto (como objeto). Nesta interpretação puramente kantiana, então, ser significa o mesmo que o caráter daquilo que se encontra contraposto (objetividade).
Assim, fica claro: se ao sujeito se contrapõe um objeto, a questão ainda não se inscreve de maneira alguma na dimensão capaz de perguntar sobre o modo de ser específico do ente que se tornou objeto em sua relação com o modo de ser de um sujeito. Inversamente, a um sujeito, considerado como aquele que apreende, pertence um apreendido. Mas será que o sujeito precisa necessariamente apreender? A possibilidade ontológica de um sujeito é dependente do fato de algo ser dado como objeto para a sua apreensão? De maneira alguma. Em todo caso, contudo, a questão não pode ser simplesmente decidida. Parece à primeira vista que, em meio à relação sujeito-objeto, ter-se-ia conquistado um ponto de partida materialmente consistente para o questionamento e uma concepção isenta de preconceitos do problema com o ponto de partida unilateral pelo sujeito. Considerado mais detidamente, porém, esse ponto de partida de uma relação sujeito-objeto obstrui o acesso à questão ontológica [231] propriamente dita acerca do modo de ser do ente, que possivelmente se torna objeto, mas que não precisa necessariamente se tornar.
No entanto, mesmo que não se admita a correção do ponto de partida junto a um sujeito isolado, mas se procure antes partir da relação sujeito-objeto, é preciso perguntar: Por que um sujeito “exige” um objeto e vice-versa? Pois algo presente à vista não se torna por si um objeto, para em seguida requisitar um sujeito, mas ele só se torna objeto na objetivação [Objektivierung] por meio de um sujeito. Um ente é sem sujeito, mas só há objetos para um sujeito que o objetifica. Portanto, a existência da relação sujeito-objeto depende do modo de existência do sujeito. Mas por quê? Com a existência do ser-aí já está sempre a cada vez posicionada tal relação? O sujeito poderia de qualquer modo se privar da relação com objetos. Ou será que ele não poderia? Se não, então não é o objeto o responsável pelo fato de haver uma relação subjetiva [Subjektbeziehung] com ele, mas articular-se pertence à constituição ontológica do próprio sujeito. Reside no conceito do sujeito se relacionar. O sujeito é nele mesmo algo que se relaciona. Nesse sentido, é necessário formular a questão acerca do ser do sujeito de tal modo que essa determinação essencial [Wesensbestimmung] do relacionar-se-com [Sich-beziehens-auf], isto é, a intencionalidade [Intentionalität], seja copensada no conceito do sujeito, ou seja, de tal modo que a relação com o objeto não seja algo que se ache articulado ocasionalmente com o sujeito com base no estar casualmente presente à vista de um objeto. À existência do ser-aí pertence a intencionalidade. Com a existência do ser-aí, já sempre se desvelou a cada vez de algum modo para esse ser-aí um ente e um nexo com o ente, sem que ele tenha sido expressamente objetivado. Existir significa, então, entre outras coisas: ser se comportando junto ao ente. Pertence à essência do ser-aí existir de tal modo que ele já sempre se encontra junto a um outro ente.
Ver online : Die Grundprobleme der Phänomenologie [G24]
HEIDEGGER, Martin. Os problemas fundamentais da fenomenologia. Tr. Marco Antônio Casanova. Petrópolis: Vozes, 2012
[1] RICKERT, H. Der Gegenstand der Erkenntnis [O objeto do conhecimento]. 3. ed., p. 3.
[2] Heidegger joga nesta passagem com a diferença entre o vocábulo latino para designar o objeto e o vocábulo germânico para a sua designação. Em alemão, um objeto é um Gegenstand, literalmente algo que se encontra contraposto.