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Fink (1994:144-145) – mundo e história
segunda-feira 27 de outubro de 2025
[…] O homem existe historicamente em relação ao princípio mundano da singularização e da diferença no trabalho e no combate. O trabalho e o combate são formas comunitárias fundamentais, figuras sociais do Dasein. Estas figuras não pertencem ao homem da mesma forma que um animal procura o seu alimento e a sua presa. O trabalho e a luta são figuras de sentido, de uma determinada aparição no mundo. Na outra dimensão, a dimensão do mundo sem figuras, o homem relaciona-se com o amor e o culto dos mortos. As metades dilaceradas do ser humano, homem e mulher, bebem da taça do prazer a certeza de uma unidade por detrás de todas as divisões visíveis e o conhecimento da imortalidade dos mortais. Na piedade para com os mortos, aqueles que na sua estada terrena são banidos para o seu isolamento, têm o pressentimento de um fundo comum e inalienável. O amor e a morte [145] formam, por assim dizer, o solo a-histórico da história, o trabalho e a luta traçam sulcos no solo e constroem reinos sobre eles. No trabalho e no combate estamos abertos ao polemos pater panton cósmico, no amor e na memória dos mortos, à paz cósmica.
[…] Se a abertura-do-mundo ekstática do gênero humano deve ser concebida como o “historial”, então é necessário, antes de tudo, interrogar o conceito correto de mundo. Será ele simplesmente a soma de todos os entes, a somatória completa de todas as coisas — ou será o espaço-tempo compreensivo que engloba todas as coisas finitas? O tempo do mundo e o espaço do mundo não se deixam, em última instância, compreender como uma simples “infinidade que pertence ao progresso da intuição” (Kant Kant Emmanuel Kant (Immanuel en allemand), 1724-1804, é um dos autores de predileção de H., um daqueles do qual mais falou. ), ou como uma ideia necessária da razão, cujo único uso legítimo seria regulador. A totalidade mundana do espaço e do tempo, em sua essência abrangente e inclusiva, constitui um problema ainda não resolvido.
Mas, além desse ponto, a questão é saber se o mundo é apenas o reino da singularização (Vereinzelung), o país das diferenças, o campo da individuação, ou se a noite do Hades constitui igualmente uma dimensão do mundo. O homem existe historicamente em relação ao princípio mundano da singularização e da diferença, no trabalho e no combate. O trabalho e o combate são formas comunitárias fundamentais, figuras sociais do Dasein. Essas figuras não pertencem ao homem do mesmo modo que o animal busca seu alimento e sua presa. O trabalho e o combate são figuras de sentido de uma abertura determinada ao mundo.
À outra dimensão, à dimensão sem figura do mundo, o homem se relaciona no amor e no culto dos mortos. As metades dilaceradas do ser humano, o homem e a mulher, bebem na taça do prazer a certeza de uma unidade por trás de todas as divisões visíveis e o saber da imortalidade dos mortais. Na piedade para com os falecidos, aqueles que, em sua estada terrestre, se veem banidos em seu isolamento, pressentem um fundo comum e inalienável.
O amor e a morte formam, por assim dizer, o solo a-histórico da história; o trabalho e o combate traçam sulcos nesse solo e erigem sobre ele reinos. No trabalho e no combate estamos abertos ao polemos pater panton cósmico; no amor e na memória dos mortos, à paz cósmica. Mas as dimensões do mundo — o claro país das diferenças e o sombrio e indizível país do Uno-todo — não estão lado a lado como as duas faces de uma coisa. As dimensões do mundo estão entrelaçadas uma na outra num incessante movimento para o qual não há comparação ôntica. É o grande movimento de mundo do aparecer, que expõe as coisas finitas no aberto e, após a duração que lhes é atribuída, as retoma no fundo informe.
É no jogo, e de modo mais elevado na comunidade festiva da tragédia, que o homem se relaciona de maneira compreensiva com esse movimento de mundo da geração e da corrupção de todo ser finito. No conhecimento dos sofrimentos de Édipo, a intimidade do Dasein humano com o mundo atinge seu ponto culminante. A história da humanidade, os atos de sua liberdade, seus conhecimentos, suas avaliações, seus projetos metafísicos e suas produções político-técnicas tornam-se, no sentido mais verdadeiro, uma história do mundo (weltgeschichtlich), quando se mantêm de modo compreensivo no seio do jogo do mundo, do qual Heráclito
Heraklit
Héraclite
Heráclito
Heraclitus
diz: “pan gar herpeton plege nemetai: tudo o que rasteja é conduzido ao pasto pelo chicote” (Frag. B11).
A conexão do mundo e da história revelou-se em nosso exame de Husserl
Husserl
Edmund Husserl
EDMUND HUSSERL (1859-1938)
e Heidegger como o problema de uma relação notável. O que importa manifestamente é saber se a relação do homem com o ser, com o mundo, é interpretada no sentido de uma identificação ôntica híbrida do homem com o “absoluto”, conduzindo assim a uma “supressão (Aufhebung) da finitude humana” — ou se a relação, enquanto abertura ekstática do homem, é compreendida como relação a algo que não é um ente e, contudo, não é um nada vazio. Indicar essa questão única foi o objetivo a que se esforçou o presente exposé fragmentário.
[FINK
Fink
Eugen Fink
EUGEN FINK (1905-1975)
, Eugen. Proximité et distance: essais et conférences phénoménologiques. Grenoble: Millon, 1994]
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