Fenomenologia, Existencialismo e Daseinsanálise

Às coisas, elas mesmas

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Fink (1994:140-144) – mundo e história em Heidegger

segunda-feira 27 de outubro de 2025

É, portanto, em uma dimensão completamente diferente que encontramos colocados em Heidegger os problemas históricos. Costuma-se explicar o conceito heideggeriano de Dasein humano como uma “concretização” do conceito abstrato de consciência em Husserl Husserl
Edmund Husserl
EDMUND HUSSERL (1859-1938)
. Com isso, porém, é-se injusto com ambos os pensadores. O ser humano é pensado de modo fundamentalmente diverso por Heidegger. Não se trata, em primeiro lugar, da relação intencional de um sujeito cognoscente com os objetos circundantes, mas da abertura (Erschlossenheit) prévia do homem ao ser. O homem, contudo, não possui tal abertura como um “equipamento”; ele é transposto para a abertura (Eröffnetheit) do ser. Em todo comportamento, tanto prático quanto teórico, ele compreende o ente como ente; compreende as coisas e a si mesmo como “entes” na luz do ser.

Mas a luz na qual ele compreende é, em certa medida, retirada dele; na maior parte do tempo, ele não compreende o médium de sua própria compreensão. O homem é aquele que compreende o ser na visão de múltiplos entes e de diversos gêneros, que pode nomear e conceber como tais, no mundo. O ser-no-mundo compreensivo e tonado (gestimmt) constitui a estrutura fundamental do Dasein humano.

O problema da história é, primeiramente, colocado e exposto de modo duplo por Heidegger: num primeiro momento, como questão do esclarecimento ontológico do modo de ser humano em geral, como existir historial; depois, num segundo momento, como retomada pensante (denkerische Nachgang) de uma história determinada, a saber, a história da metafísica como história do esquecimento do ser. Assim, não é o saber objetivo de um sujeito cognoscente que é o “historial”, mas a compreensão, mais ou menos explícita, do ser da objetividade de todos os objetos e também da subjetividade do próprio sujeito que compreende.

A historialidade da compreensão do ser é, então, exposta em uma interpretação do ser-no-tempo humano. O homem, enquanto compreende o ser, está no tempo enquanto ele mesmo temporaliza (als selber zeitigend). A temporalização do ser-aí é explicitada por Heidegger em relação à morte. A solidão do indivíduo diante de sua própria morte é a situação existencial que faz surgir a compreensão própria do tempo. De maneira distinta de Husserl Husserl
Edmund Husserl
EDMUND HUSSERL (1859-1938)
, encontra-se também em Heidegger a tentativa de atribuir ao homem a temporalização.

O “historial” é, em Heidegger, para expressá-lo de maneira simplificada, a compreensão humana do ser, que agora ele interpreta mais radicalmente como “temporalização”. À compreensão do ser pertence ainda, de modo essencial, o fato de cumprir-se como descoberta das coisas e abertura do próprio ser humano. Sua história é uma história da “verdade”. Ser-no-mundo e ser-na-verdade são determinações existenciais igualmente originárias.

A fase posterior de seu pensamento parece caracterizar-se pelo fato de que aquilo que ele considerara inicialmente como “existenciais”, em uma perspectiva analítica existencial — a saber, a clareza da compreensão, a verdade como desvelamento, a “mundanidade” e a temporalização —, é agora reconhecido, em uma nova orientação do pensamento, antes de tudo como determinação do próprio ser, retornando, portanto, ao homem apenas de modo derivado. Mais precisamente: porque o homem é transposto para a clareira (Lichtung) do ser, a verdade e a compreensão do ser são traços essenciais da existência humana; é porque o ser mesmo é o temporalizante, o advindo, o historial, que o homem a ele confiado é essencialmente historial.

A relação do homem com o ser é o problema mais instigante da filosofia heideggeriana da história. Para essa relação não se dispõe de modelo algum, de nenhuma categoria utilizável. Não se trata de uma relação entre dois entes. Não há aqui o homem de um lado e, do outro, o ser. O ser sempre já se abriu ao homem e o deixa habitar em sua clareira. O homem finito é o companheiro do ser. Heidegger esforça-se com rigor por manter-se fiel à finitude do ser humano e, ao mesmo tempo, conservar (wahren) a abertura ao ser.

A clareira do ser destina-se ao ser (Wesen) mais finito. Mas, precisamente porque a relação entre o ser e o homem é o caminho próprio da história, o acontecer historial não pode mais ser compreendido como um acontecer meramente humano, encerrado, por assim dizer, no homem. Na história do homem manifesta-se a história do ser, a história da verdade, a história do mundo.

Dessa maneira, a finitude do homem não é mais rejeitada como dissimulação ilusória; ele não se torna “absoluto”; permanece finito e é, como finito, o lugar da clareira do ser. Heidegger evita o risco de “divinizar” de algum modo o ser humano de maneira “idealista”, justamente porque estabelece, como dimensão do “historial”, a abertura do homem ao ser e a conversão prévia do ser em direção ao homem. Essa conversão mútua constitui, para ele, a história fundamental pensada especulativamente, sobre cujo solo apenas os demais processos historiais podem enraizar-se.

De modo particular, essa história fundamental torna-se então mais clara quando é desdobrada por Heidegger como a história do ser que se anuncia no pensamento do pensador. Não podemos, contudo, concluir aqui. Consideramos absolutamente decisiva sua interpretação do homem como um ser ekstático, determinado por uma relação com algo que não é um “ente”. Essa relação-com-o-ser é o espaço da história.

Mas, nessa concepção, duas coisas permanecem problemáticas. O conceito fundamental de “ser”, se, por outro lado, o ser age, exerce seu poder e se estende por todo ente, escapa com demasiada facilidade a toda tentativa de pensamento, dissolvendo-se no vazio de um “universal” flutuante. Talvez seja apenas pelo fio condutor da linguagem, por seu dizer permanente e incessante da palavra “é”, que possamos, de algum modo, pensar aquilo que sempre compreendemos e que, no entanto, nunca temos diante de nós à maneira de um objeto.

Mas a orientação do conceito de ser pelo logos da linguagem deixa escapar, como se verá, o caráter espaço-temporal do ser compreendido mundanamente. O ser corre o risco de tornar-se uma “coisa de pensamento”, de volatilizar-se em um conceito. O espaço-tempo completo do ser denominamos mundo. Isso não significa, agora, nem um horizonte intencional, nem um halo de significatividade vital das coisas para um grupo de homens, mas significa o universo, o todo do mundo.

O homem é o ente intramundano que se relaciona essencialmente com o todo do mundo, que existe em relação ao mundo. Se a expressão heideggeriana “ser-no-mundo” (In-der-Welt-sein) designa a constituição existencial do homem — o fato de existir numa atmosfera de compreensão do ser —, então o homem, como ser-no-mundo, está precisamente no mundo enquanto universo.

Ora, não seriam idênticas a relação com o ser e a relação com o mundo? Não seria, em ambos os casos, a mesma abertura ekstática do homem que está sendo pensada? Cremos dever responder negativamente.

Porque o conceito heideggeriano de SER é pensado num sentido essencial a partir da linguagem, do logos, a clareira pertence essencialmente ao ser. A clareira não é algo que o ser possa abandonar; aletheia, o não-ocultamento, pertence ao próprio ser — não existe, em todo caso, fora de uma relação de oposição ao ocultamento, à lethe. Em todo desocultamento (Entbergen), o ser permanece (hält) ao mesmo tempo em si, retém-se, não se dá por completo.

Mas se o desocultamento tem, como fundo essencial, o ocultamento, a clareira é, todavia, o modo pelo qual o ser reina (waltet). É, antes, à maneira pela qual a sombra pertence à luz — e não como ausência de luz, como noite sem fundo — que o movimento de ocultamento (Verbergung) pertence ao ser.

E mais ainda: Heidegger explicita a relação do homem com o ser como uma relação própria da essência do homem em geral. Esse ser humano não é, para ele, dividido em metade masculina e metade feminina, e, sobretudo, não delineia as figuras de fundo sociais dos grupos e povos que agem historicamente a partir da relação com o ser. Os problemas da socialidade recuam para o segundo plano.

[FINK Fink
Eugen Fink
EUGEN FINK (1905-1975)
, Eugen. Proximité et distance: essais et conférences phénoménologiques. Grenoble: Millon, 1994]


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