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Le statut du phénoménologique
Fink (1990) – Reflexões fenomenológicas sobre a teoria do sujeito (2)
ÉPOKHÈ n. 1
A liberdade humana já se manifesta na reflexividade do Eu, nessa estrutura complexa da consciência, particularmente emaranhada. No olhar “abstrato” da análise da consciência, tocamos um terreno problemático mais profundo, cuja compreensão “fenomenológica” parece muito duvidosa. Sem dúvida, o Eu pode ser descrito de certa forma, pode ser fixado pela descrição como o “pólo” de todos os atos, de todas as experiências intencionais, como o centro de onde partem os múltiplos raios de atos para se reunirem na unidade do objeto. Do ponto de vista do ato, temos fenomenologicamente o direito de dizer que o Eu “aparece” em cada ato. Ele é o que experimenta o ato, o que anima o ato ao realizá-lo. Mas isso não aparece como um momento “dado” no ato, não é de forma alguma um “datum”. O Eu não se forma como se houvesse uma sequência de atos que todos comportassem em si um raio do Eu, que formassem um Eu, é antes a unidade prévia do Eu que é a pressuposição a partir da qual uma sequência de atos pode ocorrer. O Eu precede a diversidade de cada raio do Eu apto a agir. Não se consegue realmente pensar o Eu quando se o toma apenas como um momento descritivo de realizador de ato. Ele anima, como o “quem”, toda a vida dos atos, mas isso não significa que ele seja nada mais do que um centro de atos. Mas o que é positivamente o Eu?
- A liberdade humana já se manifesta na reflexividade do Eu, nessa estrutura complexa e particularmente emaranhada da consciência.
- No olhar "abstrato" da analítica da consciência, tocamos um solo problemático mais profundo, cuja apreensão "fenomenológica" parece muito duvidosa.
- O Eu pode, sem dúvida, ser descrito de certa maneira, pode ser fixado pela descrição como o "polo" de todos os atos, de todos os vividos intencionais, como o centro de onde partem os múltiplos raios de atos para se reunirem na unidade do objeto.
- Do ponto de vista do ato, tem-se o direito fenomenologicamente de dizer que o Eu "aparece" em cada ato, sendo o que experimenta o ato, o que o anima ao consumá-lo.
- Contudo, o Eu não aparece como um momento "dado" no ato, não sendo de forma alguma um "datum".
- O Eu não se forma como se houvesse uma sequência de atos que todos comportariam em si um raio de Eu que formariam um Eu, é antes a unidade prévia do Eu que é a pressuposição a partir da qual uma sequência de atos pode ocorrer.
- O Eu precede a diversidade de cada raio de Eu apto a agir.
- Não se consegue pensar verdadeiramente o Eu quando ele é tomado apenas como momento descritivo de consumador de ato.
- O Eu anima, como o "quem", toda a vida dos atos, mas isso não significa que ele seja apenas um centro de atos.
- A questão sobre o que é positivamente o Eu pode parecer deslocada e de difícil relevância para uma reflexão pedagógica.
- O Eu é considerado, no terreno da metafísica da consciência, o princípio constitutivo da individuação humana.
- A isolação individual do homem deve ser interrogada, visto que apenas um olhar lançado na oposição fundamental entre o ser-si e a "espécie" no ser humano pode circunscrever as possibilidades da educação.
- O problema do Eu não é, portanto, um problema indiferente e exterior, tendo, pelo contrário, apesar de seu caráter formal, uma significação eminente.
- Isso se deve também ao fato de que as interpretações mais concretas da vida, onde o homem é tomado como pessoa, como unidade da história de uma vida, operam sempre com estruturas egoicas formais, e se servem de uma compreensão do Eu não explicitada, mas sobretudo porque sucumbem com demasiada frequência a uma psicologia dogmática do Eu.
- Questiona-se primeiramente: qual é a base sobre a qual o Eu se destaca da sequência dos vividos intencionais, nos quais ele ocorre a cada vez como raio de Eu?
- Primeiramente, a vida de experiência, na qual o mundo objetivo se anuncia a mim de múltiplas maneiras, não é de forma alguma uma sequência linear de atos isolados.
- O presente da minha vida não é preenchido por um vivido isolado, sendo uma anomalia se toda a intensidade da vida se concentra em um único ato; habitualmente, há vários atos "simultâneos".
- Nesses vividos, o Eu "vive" e "experimenta", ele age como consumador de ato, mas em graus diversamente variáveis de participação interessada.
- A vigilância, a escuta, a espera são variáveis, e em um único momento presente o Eu pode ser o consumador de cinco ou seis vividos.
- Contudo, ele não é então um Eu quíntuplo ou sêxtuplo, mas o Eu uno em vários raios de Eu.
- O "irradiar" é, portanto, um fundo fenomenal a partir do qual a egoicidade do Eu se oferece habitualmente à interpretação.
- O raio de Eu parece ser um momento de vivido.
- Tomado como raio de Eu, o Eu ocorre também em certa medida no tempo dos vividos, no fluxo de vivido, encontrando ali, a cada vez, um local, uma posição temporal.
- Além disso, não é apenas um momento de presente que pode ser preenchido por vários "vividos" simultâneos, os vividos também podem formar a unidade articulada de uma sequência coordenada e dotada de sentido.
- Por exemplo, eu acompanho uma demonstração, eu leio um livro, e aqui os vividos singulares não se sucedem um após o outro, ligados apenas por um limite temporal, mas sim se seguem de tal sorte que o que se segue está ligado ao que faz sentido imediatamente antes, de modo que a construção de sentido iniciada há pouco se prossegue e se encerra.
- Encontramos uma sequência temporal de raios de Eu que se implicam uns aos outros em um tema comum.
- O Eu não permanece apenas o que é "idêntico" pelo fato de ser o polo onde todo vivido que se experimenta encontra seu centro, ele forma uma unidade de interesse contínuo.
- Os numerosos vividos singulares são abrangidos pela unidade do interesse comum egoico, do qual formam os elos.
- Esses interesses do Eu podem finalmente ultrapassar a esfera dos atos e se tornar direções de interesses constantes; neles pode se formar um estilo, uma estrutura habitual do Eu.
- Na pedagogia, essa distinção é utilizada incessantemente, sem ser sempre refletida expressamente.
- A educação visa ser um efeito ordenador e instrutivo do educador sobre o educando de tal sorte que o aluno queira essa instrução, que ele desenvolva uma orientação de interesse para o "Bem", que ele tenha um interesse profissional contínuo e consequente, que ele funde um "estilo de personalidade", etc.
- Mas em tudo isso, o Eu é considerado apenas a partir de um modo derivado da egoicidade.
- A essência do Eu não é reconhecida primeiramente onde o raio de Eu ou a tomada de posição egoica (a habitualidade) determinam o ponto de vista da questão.
- O raio de Eu é um momento de vivido, e no raio de Eu, o Eu, por assim dizer, se "temporaliza" no fluxo temporal da experiência interna.
- Certamente, ainda se tem alguma consciência da diferença entre o raio de Eu e o Eu.
- O raio de Eu faz parte do vivido, mas não o próprio Eu.
- É por isso que se fala, como Husserl
Husserl
Edmund Husserl EDMUND HUSSERL (1859-1938) , por exemplo, de uma "transcendência do Eu". - Isso não significa para Husserl
Husserl
Edmund Husserl EDMUND HUSSERL (1859-1938) que o Eu seria, por exemplo, um objeto exterior "transcendente", mas sim uma "transcendência na interioridade". - O Eu se mantém "contra a corrente" do fluxo de vividos, ele não se funde nele como fazem seus vividos.
- São apenas seus raios de ato, suas consumações de atos egoicos que passam no fluxo temporal interno, enquanto ele próprio se defronta com esse fluxo.
- Husserl
Husserl
Edmund Husserl EDMUND HUSSERL (1859-1938) tenta apreender fenomenologicamente a pretensa transcendência do Eu (que se encontra na direção oposta à da coisa "transcendente", isto é, exterior) de uma maneira positiva, no fenômeno da habitualidade. - Por exemplo, no ato de compreender, se funda uma convicção egoica, no ato de vontade, uma determinação.
- Esse caráter habitual do eu perdura, mesmo que não possa ser atualizado sem interrupção.
- Aqui se pode ver, mais ou menos, como o Eu guarda o tempo sem nadar sempre no fluxo do tempo, sem durar sempre, sem persistir continuamente.
- Mas a questão permanece aberta se a relação do Eu com o tempo é assim suficientemente compreendida.
- Incontestavelmente, Husserl
Husserl
Edmund Husserl EDMUND HUSSERL (1859-1938) viu "fenômenos", tanto com o raio temporalizado do Eu quanto pela habitualidade, intemporal, que permanece "transcendente", em face do tempo do vivido. - Mas para Husserl
Husserl
Edmund Husserl EDMUND HUSSERL (1859-1938) , a base dessa distinção é em última análise a "consciência interna do tempo" (com referência às "Lições sobre a fenomenologia da consciência interna do tempo" escritas em 1905 por Husserl Husserl
Edmund Husserl EDMUND HUSSERL (1859-1938) e publicadas em 1928 por Heidegger). - Nas Lições são distinguidos com muita insistência a "consciência íntima do tempo" e o "tempo externo" dos eventos e dos processos, o fluxo dos vividos e o tempo metricamente assinalável do que se produz desdobrando-se no espaço.
- Essa distinção tem uma longa história, cuja origem se encontra na problemática do tempo e da alma.
- O sentido do problema já está perdido quando, em Agostinho
Augustin
Agostinho
Augustine AURÉLIO AGOSTINHO DE HIPONA (354-430). Em Agostinho, H. encontra um respondente a suas preocupações relativas à existência, ou melhor, à ancoragem da reflexão filosófica na dimensão da existência como do mundo concreto no seio do qual o ser humano é levado a desdobrar seu ser, a viver. (LDMH) , o tempo conhece sua primeira subjetivação decisiva e é de certa forma assinalado à memória e à expectatio da alma humana. - A separação cartesiana da res extensa e da res cogitans é uma perda suplementar do problema do tempo, assim como a distinção leibniziana entre o movimento interno da mônada e o movimento externo (mecânico) das substâncias reunidas.
- Por fim, encontra-se em Kant Kant Emmanuel Kant (Immanuel en allemand), 1724-1804, é um dos autores de predileção de H., um daqueles do qual mais falou. uma subjetivação do espaço e do tempo pelo fato de serem determinados como formas a priori da pura sensibilidade do sujeito humano finito, com esta importante diferença, contudo, que o espaço é a forma que precede toda experiência da objetividade externa, e o tempo é a forma pura do "sentido interno".
- A diferença fenomenológica entre tempo externo e interno é a conclusão da longa história de uma perda, apesar das análises sutis que se possa dedicar a ela.
- A perda não designa nunca uma negligência ou inaptidão dos pensadores aos quais se acreditaria superior (rejeitando a crítica arrogante como ridícula e absurda), pois o que animou o poder histórico do pensamento durante séculos nunca se reduz a um erro humano demasiadamente humano.
- O problema da perda é uma questão destinal, e o poder destrutivo do tempo não se manifesta apenas na erosão das montanhas, na secagem dos oceanos, no resfriamento de constelações visíveis, mas também na "erosão" da verdade, na ruína imparável de tudo o que um dia foi uma conquista ontológica do pensamento, e talvez se manifeste antes de tudo na perda da verdade do próprio tempo.
- A distinção que a fenomenologia pretende fazer entre tempo "interno" e "externo", entre tempo vivido e tempo de escoamento de processos e eventos objetivos, busca superar a ingenuidade habitual com que se compreende o tempo.
- O homem "ingênuo", diz-se, só conhece um tempo indistinto e unívoco, pensando amar, odiar, perceber e lembrar nesse mesmo tempo em que as pedras caem, as flores florescem, as máquinas zumbem, e os ponteiros marcam as horas.
- Contudo, diz-se também, a postura "introspectiva" do questionamento fenomenológico abre duas dimensões temporais: a temporalidade da consciência do tempo, o fluxo do vivido, e, no fluxo do vivido, o "tempo externo" que se anuncia e se representa, a sequência dos processos e eventos.
- Tempo subjetivo e objetivo se separam, superando-se a amálgama e a mistura "ingênuas" dos dois tempos.
- O tempo externo é para nós infinito e está em curso, pois por mais que olhemos para trás, que repensemos em sentido contrário, não podemos fixar um começo nem um fim.
- Por outro lado, o tempo interno é um conjunto consciente finito, não se podendo remontar indefinidamente em nossas lembranças, pois topamos finalmente em um horizonte "interno" que não remete mais nada e que, em seu princípio, nenhuma lembrança pode liberar.
- E, voltados para o futuro, vamos em direção a uma morte certa, e contudo angustiante.
- Mas, na verdade, no desdobramento fenomenológico do tempo em tempo "interno" e "externo", a ingenuidade cotidiana da compreensão do tempo não é superada, mas, pelo contrário, é reforçada.
- Ao fazer isso, na verdade, apenas se redobrou o processo temporal, e se pressupôs um conjunto de processos "internos" e um conjunto de processos "externos".
- Ao tentar pensar a sequência dos eventos em sentido contrário, recaiu-se novamente na sucessão.
- Isso significa que se continua fundamentalmente a pensar o tempo como a continuação de momentos-de-agora, simplesmente uma vez como momentos-de-agora da consciência, e outra como momentos-de-agora de um percurso objetivo.
- E isso se trai justamente na interpretação da temporalidade do Eu.
- O Eu é, entendemos, "temporal" quando é o raio de Eu pertencente a todo vivido; ele é "atemporal" (persistindo sem duração contínua) quando é um conjunto de posturas, tomadas de posição, habitualidades egoicas.
- A base a partir da qual são interpretadas a temporalidade e a atemporalidade do Eu é, em princípio, a sequência intratemporal.
- Enquanto o Eu é mantido no horizonte desse ponto de partida (Ansati), ele é, de certa forma, algo que subsiste, algo que tem uma subsistência, em parte um evento (Vorkommnis) no tempo vivido (a saber, como raio de Eu), e em parte subtraído ao tempo vivido.
- Certamente, entra em linha de conta, além disso, o Eu como condição da unidade objetiva, mas a "identidade" do Eu entra então na perspectiva interpretativa de uma proto-habitualidade.
- O ser-eu do Eu é compreendido como se fosse um traço de estilo fundamental do qual dependem em seguida as outras habitualidades, as convicções, as resoluções da vontade, etc.
- A identidade do Eu não pode, contudo, jamais ser apreendida a partir do fenômeno da "habitualidade".
- A egoicidade do Eu é tanto uma pressuposição para a possibilidade de as posturas egoicas se fixarem, quanto uma pressuposição da unidade de todo objeto.
- A interpretação do "Eu" por Husserl
Husserl
Edmund Husserl EDMUND HUSSERL (1859-1938) está, por isso, viciada desde o seu ponto de partida, no fato de ele buscar a todo custo tomar o Eu como um evento. - Isso é bem-sucedido para o raio de Eu, mas fracassa para o caráter habitual do Eu.
- Pois o Eu não é nem um momento "pontual" de cada vivido singular, nem uma Hexis que teria "subsistência", que faria frente ao fluxo de vividos em uma "transcendência interior".
- A utilidade de toda essa polêmica reside na necessidade de examinar e buscar qual sentido tem o discurso (Rede) que a respeito do Eu se serve das proposições sobre o "é" em geral.
- De fato, aí reside o coração do problema.
- Convencido de continuar e desenvolver os motivos fundamentais kantianos, Fichte
Fichte
Johann Gottlieb Fichte JOHANN GOTTLIEB FICHTE (1762-1814) , nos projetos e retomadas incessantes de sua "Doutrina da Ciência", formulou a diferença ontológica entre as coisas pensadas como objetos e o "sujeito" compreendido como Eu, nomeando-a diferença entre fatos (Tatsachen) e fatos-ações (Tathandlung). - O fato não designa o fato no sentido do positivismo, não designa uma "dada empírica".
- O fato é antes o título principial do Não-Eu posto pelo Eu absoluto.
- O ato produtivo de pôr, que o Eu consuma, é o fato-ação.
- A essência do Eu, compreendida especulativamente, é ação = liberdade.
- O Eu não é o que as coisas são.
- Deve-se, em suma, afastar-se da concepção do Ser da qual nos servimos a propósito dos entes-coisas, se quisermos chegar a ver o Eu em sua maneira de ser principialmente outra.
- O que o Eu "é" não se encontra por um exame de representações, mas se experimenta apenas na ação da liberdade, na ação desse agir absoluto, que não é "teoria" e que não é "praxis", mas que é, para além dessa divisão, o ato de conhecer originário da libertação da liberdade.
- Esse pathos fichtiano da liberdade no fundo da metafísica da consciência liberou o formidável fluxo de pensamento que encerrou, na filosofia de Hegel
Hegel
Georg Wilhelm Friedrich Hegel Georg Wilhelm Friedrich Hegel (1770-1831) e de Schelling Schelling
Friedrich Schelling FRIEDRICH WILHELM JOSEPH SCHELLING (1775-1854) , uma era do mundo. - As ideias de Fichte
Fichte
Johann Gottlieb Fichte JOHANN GOTTLIEB FICHTE (1762-1814) significam antes de tudo uma repetição de problemas antigos, e a interpretação de Hegel Hegel
Georg Wilhelm Friedrich Hegel Georg Wilhelm Friedrich Hegel (1770-1831) por Croce e Gentile, que prevaleceu, por exemplo, na Itália, foi uma interpretação do idealismo alemão por conceitos fichtianos. - A posição fundamental de Fichte
Fichte
Johann Gottlieb Fichte JOHANN GOTTLIEB FICHTE (1762-1814) se caracteriza por uma espécie de "teologia negativa" do sujeito absoluto. - Assim como na teologia negativa Deus não é determinado pela via da analogia que ultrapassa e aumenta os atributos finitos, mas pela via da negação e da anulação das determinações finitas (e de cada um de seus contrários), a explicação que Fichte
Fichte
Johann Gottlieb Fichte JOHANN GOTTLIEB FICHTE (1762-1814) dá do Eu absoluto permanece a rigor "re-dobrada" sobre este, por meio do contraste incessantemente buscado com o ente finito. - Mas ali o finito não é apenas aquilo a partir do qual se segue o ímpeto (Abstoss) do pensamento: o que subsiste, o que já está feito, o "ente", são também aquilo a partir do qual é preciso tomar o impulso.
- O Eu absoluto "não é", se: "Ser" = o que subsiste.
- Mas precisamente essa "pressuposição" não é mais examinada.
- O abandono desse exame resulta no fato de que o ser da verdade não coloca mais um problema legítimo, e, por conseguinte, o ser do "sujeito", do Eu, também não.
- As categorias ontológicas são elaboradas apenas em relação ao que está ali, ao que subsiste, ao disponível (das Vorhandene), no sentido mais amplo, e isso não resulta em nenhuma categoria da liberdade.
- A egoicidade do Eu é caracterizada apenas "negativamente".
- Sem dúvida, ela é compreendida como o que tem mais subsistência, mais persistência, como o "que deve poder acompanhar todas as minhas representações" —, acompanhar não como uma representação adjacente, mas como uma pressuposição da representação de objetos.
- Mas esse subsistente e sempre presente (Anwesende) não possui precisamente aqui o modo de ser do "subsistir", do "ter lugar" do "preceder" e do "estar disponível".
- O mais subsistente não "subsiste", e, de passagem, ele é pensado como sendo a negação explícita de todos os conceitos da disponibilidade.
- O princípio da subjetividade, o Eu, se torna um problema dialético.
- Seu paradoxo ontológico é manifestamente mais complexo e labiríntico do que os simples emaranhamentos de reflexões de que se falava anteriormente.
- Voltando a coisas mais simples, talvez na reflexividade se ganhe uma compreensão do Eu elementar, que precede toda explicação ontológica.
- A reflexão é uma possibilidade familiar, sendo um modo de expressividade da consciência de si.
- Essa tese se opõe à concepção fenomenológica habitual, segundo a qual a "consciência de si" nasceria apenas por um reversão e um movimento de volta da representação dos objetos.
- Não existe absolutamente nenhuma consciência temática das coisas sem co-saber do Eu por ele mesmo.
- Mas como é esse co-saber?
- Co-saber não é um saber que uma coisa-alma, que o Eu, tem de si ou sobre si, de tal sorte que se poderia distinguir o Eu em si e o saber que ele tem de si mesmo.
- O Eu não é de forma alguma exterior à consciência de si; a consciência de um si (Selbst) não é nem um acréscimo nem um complemento que o Eu continuaria a carregar consigo fora de sua existência e fora de sua subsistência.
- Todas as descrições são falsas se o saber da consciência de si é em suma subsumido sob o conceito geral de saber.
- A árvore que vemos ou tocamos é indiferente à questão de saber se a conhecemos ou não, ou se por nosso conhecimento ela se tornará ou não "consciente" para nós.
- A árvore é totalmente independente do conhecimento que podemos ter dela.
- E ela pode ter essa independência porque o "aparecer" da árvore não designa de forma alguma primeiramente uma relação a um ser capaz de representação; é uma proveniência, um impulso a partir da terra, uma ascensão no Aberto.
- A árvore se mostra como crescendo segundo uma impressão determinada de seu aspecto, e isso em relação a todo ente que está reunido com ela na esfera da presença.
- Pelo fato de a árvore "aparecer" e se "apresentar" (darstellt), ela pode se tornar um objeto para um ser vivo que conhece e representa.
- Distingue-se com razão a própria árvore de nossa "representação de árvore", a árvore efetivamente real e a árvore representada.
- Essa distinção não tem a princípio nada a ver com aquela que separa real e imaginação.
- A árvore que representamos é a árvore efetivamente real.
- O objeto é a coisa (Ding).
- Não se pode aqui explicar o que significa para o ser de um ente que um ente se torne "objeto".
- O que quer que seja, encontramo-nos, bem antes de todas as aporias sutis de uma dita "teoria do conhecimento", em uma diferença entre coisa e objeto.
- Uma coisa pode se tornar objeto; isso não significa, contudo, que se ponha em seu próprio ser uma necessidade.
- Não é necessário que o ser em si e o ser para nós de uma coisa coincidam.
- Pelo contrário, os verdadeiros problemas de conhecimento só podem ser explicitados quando a objetividade do ente mantém um questionamento aberto e não se é invadido precipitadamente por um idealismo superficial que nivelaria de forma não crítica a coisa e o objeto.
- Mas o que acontece com a consciência de si?
- É uma "consciência" de um "si" (Selbst) análoga (mas justamente em outra direção) à consciência de árvore que seria a consciência da árvore?
- Pode-se com razão distinguir um Eu em si e um Eu consciente?
- De forma alguma: o Eu só existe como saber de si.
- O co-saber da consciência de si não tem, por assim dizer, outro conteúdo que o próprio co-saber.
- O Eu é, desde o início, já uma relação a si.
- O caráter relacional não intervém na consciência de si apenas com a reflexão expressa, ele já se encontra sempre ali.
- Em outras palavras, o Eu não é uma "substância espiritual" que se relaciona a outras substâncias na representação e no conhecimento, e que tem finalmente também a possibilidade de se voltar sobre si mesma, de conhecer o conhecimento, de representar a representação; todos os conceitos "de coisa" estão em falta aqui.
- Em relação à coisa, as relações, como é mais frequentemente admitido, são algo secundário: a coisa deve ser primeiro coisa para poder manter relações com outras coisas e carregá-las em si.
- A categoria aristotélica da relação (pros ti) pressupõe a primeira categoria, a ousia, a substância.
- Mas talvez a substancialidade em sua estrutura constitutiva seja já "relação", assim como Kant Kant Emmanuel Kant (Immanuel en allemand), 1724-1804, é um dos autores de predileção de H., um daqueles do qual mais falou. a formula: uma relação de "inerência" e de "subsistência".
- Kant Kant Emmanuel Kant (Immanuel en allemand), 1724-1804, é um dos autores de predileção de H., um daqueles do qual mais falou. classifica a categoria da substância no grupo das "categorias de relação".
- Mas o Eu é uma relação bem mais radicalmente.
- Sem dúvida, não é uma relação de alguma forma "imóvel", ela é animada à maneira de um relacionamento a si que se desenrola incessantemente.
- A reflexão — enquanto modo de expressividade da consciência de si — atualiza apenas o incansável se-relacionar-a-si-mesmo do Eu, sua autoafirmação, sua autoaprovação, sua autoposição.
- A consciência de si, se a proposição for bem compreendida, reflete a si mesma desde sempre.
- Isso significa também: não existe previamente um Eu unívoco e simples e depois vários Eu(s) na formação de vários níveis de reflexão que se retomam uns aos outros, mas que estão reunidos e unidos.
- O Eu é, antes, originalmente já disperso e, no entanto, uno.
- Ele é uma unicidade múltipla em si que não encontra a multiplicidade simplesmente disposta em si, mas que sempre a produz, enquanto ele "é".
- O Eu é um jogo de relações de reflexão.
- A propósito das retomadas repetidas de reflexão de que se falava, pode-se dizer agora: na reflexividade se anuncia, mesmo que seja apenas um traço, a liberdade humana.
- É, de certa forma, independentemente de todo material objetivo, independentemente de todo "dado", que o Eu pode se desmultiplicar, pode vagar no labirinto da relação a si mesmo, certamente de uma maneira tal que é ele quem produz a dimensão na qual esse vagar acontece.
- A liberdade, tomada como jogo da reflexão, não é, sem dúvida, a liberdade humana no sentido próprio, mas é a pura liberdade, o autocomeço puro e o produzir no domínio da consciência.
- Contudo, a questão permanece aberta sobre se e como essa via da metafísica da consciência, que interpreta a ipseidade do ser-aí como egoicidade, pode ser rompida sem que as visadas justas, que tinham sido adquiridas por um longo e sutil trabalho conceitual, sejam rejeitadas como "desprovidas de importância" e "existencialmente sem interesse".
Ver online : Eugen Fink
ÉPOKHÈ. Le statut du phénoménologique. Grenoble: Millon, 1990. v. N. 1.