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Le statut du phénoménologique
Fink (1990) – Reflexões fenomenológicas sobre a teoria do sujeito (1)
ÉPOKHÈ n. 1
Trecho de um curso do semestre de inverno de 1951-52 na Universidade de Friburgo, intitulado “Filosofia da Educação”. O curso tinha duração de 24 horas e era dividido em quatro partes:
— I. Ponto de partida de uma filosofia da educação
— II. A natureza em nós
— III. A liberdade do homem
— IV. Olhar sobre a mundanidade do homem.
O texto a seguir provém da terceira parte, horas 14 a 16 do curso, e foi ligeiramente modificado em alguns pontos. A paginação entre colchetes refere-se à paginação alemã do texto disponível no Fink
Fink
Eugen Fink
EUGEN FINK (1905-1975)
-Archiv de Friburgo, ao qual gostaríamos de expressar nossos sinceros agradecimentos, bem como à Sra. Suzanne Fink
Fink
Eugen Fink
EUGEN FINK (1905-1975)
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- A explicação da estrutura do Eu do ser-aí humano se relaciona diretamente com a questão norteadora da essência da Ipseidade (Selbstheit).
- A ipseidade é um problema fundamental, visto que representa um momento básico na tensão do arco (Bogenspannung) do existir humano, constituindo o aspecto em nós que se opõe à natureza pânica.
- No curso da metafísica moderna, a ipseidade assume a forma do aspecto fundador do "eu" (Moi), sendo o Ser interpretado como "ser-consciente".
- A metafísica da consciência não possui apenas múltiplas formas em diferentes níveis, indo da simples descrição de fenômenos psíquicos às teses especulativas do idealismo alemão, mas também se cumpre em diferentes graus de reflexão, o que se manifesta em diferentes interpretações da egoicidade.
- O Eu (Moi) é ora concebido como o "absoluto" em si mesmo, ora como um ser de cada vez (Jeweiligkeit) finito, sendo oposto ao "nós" ou compreendido como momento de uma intersubjetividade original.
- Para tentar escapar da questão de saber se o "eu" ou o "nós" deve prevalecer, recorreu-se à linguagem.
- Mesmo a reflexão mais solitária já se encontra no elemento de compreensão que é a linguagem, consistindo em um endereçamento a si mesmo no dizer do Eu (Ich-Sagen); o monólogo é desde sempre um diálogo de uma alma consigo mesma.
- No arquifenômeno (Urphanomen) da linguagem, desde que não seja falseado por uma interpretação instrumental que nela veria apenas um "meio de expressão" humano, manifesta-se uma dimensão original que precede todas as distinções e divisões em "sujeito" e "objeto".
- A metafísica da consciência está desde sempre sob o domínio da linguagem, é nela que ela opera suas distinções conceituais, permanecendo no espaço da linguagem quando institui o "Eu", o sujeito, como princípio, como "começo" de seu filosofar.
- A perspectiva segundo a qual a linguagem constitui a pressuposição fundamental operatória, até mesmo da filosofia da subjetividade mais completa, ou seja, que a linguagem é ainda anterior a todos os "começos" que foram postos, foi alcançada por Hegel
Hegel
Georg Wilhelm Friedrich Hegel Georg Wilhelm Friedrich Hegel (1770-1831) ao passar da Fenomenologia do Espírito para a Ciência da Lógica. - A "lógica" de Hegel
Hegel
Georg Wilhelm Friedrich Hegel Georg Wilhelm Friedrich Hegel (1770-1831) não é um instrumento do homem, mas sim a totalidade do pensamento do ser que impera no mundo, sendo a luz do ser, na clareza da qual o homem habita, ou, segundo as palavras de Hegel Hegel
Georg Wilhelm Friedrich Hegel Georg Wilhelm Friedrich Hegel (1770-1831) : "A lógica deve, portanto, ser tomada como o sistema da razão pura, o reino do puro pensamento. Este reino é a verdade, tal como ela é em si e para si, sem máscara. Por isso se pode dizer que este conteúdo é a representação de Deus, tal como ele é em sua essência eterna antes da criação da natureza e de um espírito finito". - Enquanto se acreditar que nessas palavras se deve ouvir apenas uma pura hubris, como uma quimérica e malfadada semelhança do homem a Deus, não se compreende a intenção íntima da obra.
- O Deus do mundo é o Logos, ele subjuga a Natureza marcando-a e organizando-a — e ele se devotou a ser a linguagem do espírito humano finito.
- Se se tenta compreender como egoicidade a finitude desse espírito finito, sua individuação e sua ipseidade, a interpretação do princípio do Eu não apenas se cumpre na linguagem, mas, mais ainda, o saber que o Eu tem de si mesmo é por essência linguístico, é um dizer do eu.
- A dicibilidade (Saglichkeit) é um momento constitutivo da egoicidade.
- Frequentemente se desconhece este ponto, sendo a egoicidade muitas vezes tomada como um fundo descritivo que podemos, a cada reflexão, ter uma visão imediata.
- A reflexão, diz-se, é um retorno do conhecimento ou do cognoscente para si mesmo, é um movimento de volta particular da direção espontânea da vida.
- Habitualmente, a reflexão aparece como uma espécie de interlúdio ocasional no curso da vida, e na maior parte do tempo vivemos no cotidiano, prisioneiros do que nossos sentidos percebem, absorvidos pelos interesses que o mundo variegado e diverso oferece.
- Nessa "extranidade" (Aussenwendung), temos sempre também algum saber de nós mesmos, não sendo de modo algum verdadeiro que experimentaríamos a egoicidade apenas na ou pela reflexão, mas, pelo contrário, o fato de o Eu poder se interessar por si mesmo e se voltar tematicamente para si pressupõe uma consciência do Eu mais ou menos explícita.
- Isso não ocorre como uma descoberta completamente inesperada, de modo algum vivemos em um total esquecimento de si, inteiramente voltados para o "exterior" e subitamente encontrando a direção totalmente nova de um olhar possível e, assim, descobrindo-nos a nós mesmos.
- Toda representação, conhecimento, vontade humana, toda consciência desperta em geral é desde sempre uma certa abertura do Eu sobre si mesmo, ele é familiar a si mesmo, conhecido de si mesmo, vivendo em um conhecimento comum consigo.
- Todo saber de objeto é sempre simultaneamente um saber que o Eu tem de si mesmo, o que não é um simples fato psíquico, mas sim uma estrutura da essência da consciência.
- Nunca existe objeto de consciência isolado.
- Só pode haver um "ob-jeto" onde algo se destaca de uma região (Gegend) e encontra um Eu, ou seja, a consciência de objeto está necessariamente ligada estruturalmente com a consciência do mundo e com a consciência do Eu.
- A essência plena da consciência não é apenas a "intencionalidade", a relação de sentido a um objeto, mas uma estrutura muito mais rica, na qual a relação com o objeto é apenas um momento.
- A consciência é consciência-de, diz-se, e esse momento da intencionalidade é o que se destaca primeiro (embora uma descrição adequada e fiel encontre grandes dificuldades também aqui), mas é o que é mais evidente.
- A representação se relaciona e se volta para o representado, a memória para a lembrança, o conhecimento para o conhecido.
- É de um significado muito profundo que essa orientação intencional forneça, de certa forma, o modelo básico para a interpretação dos outros momentos da consciência.
- Por exemplo, a região a partir da qual o ob-jeto é encontrado assume o aspecto de uma simples modificação do objeto, sendo tomada como o campo ainda indistinto de outros objetos, como um halo e um horizonte.
- A consciência de um horizonte é tomada como uma mutação intencional da consciência temática de objeto propriamente dita.
- Por este meio, a região é interpretada de forma completamente errônea, não sendo mais um arquifenômeno original do mundo, a partir do qual os objetos vêm a aparecer e se manifestar, mas sim apenas uma modificação secundária do objeto.
- Tal desconhecimento da região encerra ao mesmo tempo uma interpretação incorreta do objeto.
- O objeto não é mais apreendido em sua proveniência desde a região, ou seja, é-lhe retirado um momento de sentido totalmente essencial.
- O mesmo ocorre com a consciência do Eu, que também é orientada segundo o modelo da consciência de objeto.
- A consciência do Eu é interpretada como consciência de uma consciência-de, como intencionalidade da intencionalidade, por exemplo, como percepção da percepção.
- Diz-se que uma nova intenção reflexiva se dirige à intenção previamente voltada para o exterior, e essa visão predomina amplamente na concepção habitual da reflexão.
- A partir dessa visão, não se pode, de forma alguma, compreender: primeiro, como pode ocorrer o movimento de volta da orientação temática vital para uma orientação reflexiva; segundo, em que medida a percepção de uma percepção pode encontrar um "Eu"; terceiro, como, se não se pressupõe um saber originalmente consumado que o Eu tem da consumação de sua vida, uma percepção pode se voltar para uma percepção.
- A reflexão é um modo de expressividade da consciência de si.
- A consciência de si, no entanto, não é primeiro formada pela reflexão, mas, ao contrário, toda forma de reflexão pressupõe já a consciência de si.
- Por fim, querer explicar a consciência de si a partir da consciência de objeto é uma tentativa falha e inválida que explica uma estrutura condicionada por uma estrutura condicionada.
- Não é a consciência de objeto que torna possível a consciência de si, mas o inverso, embora as relações fundadoras na dimensão das estruturas da consciência sejam muito complexas e não se dê conta delas com uma univocidade massiva.
- No que diz respeito à nossa questão sobre a egoicidade, isso significa primeiramente que devemos nos afastar do esquema vulgar da reflexão (cogito me cogitare rem) para não compreender, sem o notar, a reflexão como uma auto-objetivação do Eu e, consequentemente, como uma espécie de consciência de objeto reiterada.
- A reflexão é uma diversificação interna do Eu, uma forma que o Eu tem de tornar-se múltiplo em si mesmo.
- O Eu se desmultiplica, sem perder sua unidade e sua unicidade, o que parece paradoxal, mas é um fenômeno simples e original da consciência de si.
- Indicamos primeiro a diversidade possível de níveis de reflexão, mas essa "gradação" não ultrapassa alguns graus, pois na consumação da vida prática, a repetição logo não acrescenta nada de novo e se torna, então, enfadonha e desinteressante.
- Em uma perspectiva teórica, o problema pode se tornar importante, o de saber até onde podemos ir nesse encaixe da consciência de si.
- Eu reflito sobre um "vivido", e com isso não abarco apenas os objetos vividos nessa experiência, mas toda a relação vivida entre o Eu que experimenta e o conteúdo experimentado, e agora eu posso refletir sobre minha experiência de reflexão e, portanto, apreendo o Eu que previamente refletia e o que era vivido reflexivamente por ele, o que se decompõe novamente em Eu simplesmente experimentador e o que ele experimenta, e então eu posso ainda refletir sobre a segunda reflexão, etc.
- Pergunta-se se é verdade que posso ultrapassar à minha vontade graus de reflexão, ou se essa não é ainda uma expressão aproximativa e inexata.
- Em reflexões de graus mais elevados, a articulação expressa dos graus inferiores que estão ali compreendidos se obscurece.
- Uma reflexão de um grau elevado se revela, em um exame mais atento, ser uma reflexão sobre o que a precede, sem que todo o conteúdo complexo que ali se encontra emaranhado se distinga verdadeiramente.
- A repetição não apenas não traz nada de novo em termos de conteúdo, mas é incapaz de dominar a complicação formal de estrutura de uma reflexão, por exemplo, no décimo grau.
- Existem diferentes possibilidades segundo as quais as reflexões como tais podem se graduar.
- Na realidade, nunca se examinaram e desvendaram verdadeiramente esses fenômenos, pois se acredita que tal pesquisa não resultaria em nada além de dividir cabelos em quatro.
- No entanto, talvez exista uma capacidade extraordinária do Eu humano de se dividir reflexivamente, de se diversificar a si mesmo enquanto permanece uno, uma capacidade que não apenas suscita um interesse teórico, mas também encerra uma profunda significação vital.
- O ser-aí se move na esfera da reflexividade como em um labirinto em espelho.
- Mesmo que o Eu devesse ser o princípio de sua egoicidade, como entende o princípio fundamental da metafísica da consciência, a reflexão, possibilidade incontornável do Eu, mostra que há algo de difícil na unicidade do Eu.
- Quais são, então, as possibilidades de retomadas de reflexão?
- A forma mais simples é aquela de que se acabou de falar: refletimos, por exemplo, sobre um vivido que acabou de ocorrer (ou em um vivido em que ainda nos encontramos), e refletimos sobre a reflexão, etc.
- Isso significa que os níveis de reflexão se produzem seguindo uma duração, são para o Eu uma maneira de reter pela lembrança uma série de vividos que desaparecem, não apenas pelo fato de o Eu conter o que é vivido nessas experiências, mas também a si mesmo nos diversos e interrompidos modos dos níveis de reflexões que se retomam uns aos outros.
- O Eu se identifica e ao mesmo tempo se diferencia em um "plural" egoico.
- Mas a reflexão é de um estilo completamente diferente quando não se reflete apenas sobre um "vivido singular", mas sobre todo um estilo de vida egoico, sobre uma atitude egoica.
- Em tais reflexões, o Eu não olha para o seu vivido, mas para um comportamento que ele assumiu.
- Ele reflete sobre atitudes de vida, sobre o Bios particular no qual se encontra.
- Essa sorte de reflexão é sobretudo conhecida na meditação moral sobre si mesmo.
- Por exemplo, lamentamos uma ação; esse remorso não toca apenas a ação passada que rejeitamos totalmente, mas também diz respeito sempre, na medida em que o remorso tenha algum valor, ao rejeite de uma atitude, de um comportamento.
- Nesse sentido, o remorso está sempre ligado à tomada de uma boa resolução.
- Neste caso, a reflexão não visa tanto o vivido passado particular quanto um estilo que o Eu tinha até então, visando, portanto, um traço habitual do Eu, por exemplo, um hábito, uma obsessão, uma baixeza, etc.
- Essa sorte de reflexão também pode se redobrar verdadeiramente.
- A reflexão sobre uma atitude de vida pode já decorrer de uma outra atitude que se acabou de tomar, e refletir sobre essa nova atitude pode ser retomado por uma nova compreensão de si pelo Eu.
- Formulada de forma tão formal, isso parece artificial e afetado.
- No entanto, em Dostoievski, por exemplo, veem-se muitos personagens humanos cuja existência, em cada comportamento, é como que corroída e devorada pela reflexividade, e por causa disso eles afundam em um abismo e um vazio profundamente assustadores.
- Por exemplo, um personagem de romance reflete sobre o quão desprezível e covarde é sua maneira de se comportar com o próximo, e depois ele reflete justamente sobre a circunstância de que refletir sobre isso e se alimentar de sua própria pusilanimidade torturando-se com isso é o que há de mais pusilânime.
- Chamou-se "reflexão parentética" essa sorte de iteração reflexiva.
- O curso da primeira reflexão é, em suma, interrompido e, em parênteses, o primeiro nível é posto em dúvida.
- Na parêntese, pode-se ainda inserir um segundo parêntese, etc.
- O que distingue essa gradação daquela tratada anteriormente é que, no primeiro caso, a gradação dos níveis de reflexão concordava com um lapso de tempo.
- O segundo grau de reflexão se coloca sobre o primeiro, o terceiro sobre o segundo, e a gradação dos níveis tem, enquanto tal, o caráter de uma progressão no tempo.
- É diferente no segundo caso: ali seria mais apropriado falar de uma regressão.
- O Eu que reflete descobre estratos cada vez mais profundos de sua alma, ele vê cada vez mais longe por trás das máscaras sob as quais se esconde de si mesmo.
- A reflexão tem o caráter de um desmascaramento de si por si, e não apenas da tomada de posse explícita dos "vividos" passados.
- Sem dúvida, essa gradação se produz no tempo, ela necessita do tempo, mas sua visada de desmascaramento é regressiva e retrospectiva.
- Essa reflexão tem uma violência destrutiva, desfazendo as ilusões com as quais nos embalamos e com as quais refazemos o horizonte inquietante e sombrio de nossa existência.
- Quase sempre que o homem se esforça para se conhecer a si mesmo sem dissimulação, essa sorte de reflexão está em jogo.
- Ela é, por assim dizer, o "verme da consciência", a toupeira intestina que cava suas galerias nos abismos de nossa alma.
- O grau de iteração nessa sorte de reflexão não é de forma alguma arbitrário, ele depende do número de estratos que essa alma que se procura deseja, de quantas peles, de quantas máscaras ela se deu.
- No entanto, existem, é claro, também pessoas semelhantes a cebolas: só cascas e nenhum núcleo!
- O sobrevoo rápido e meramente sugestivo de dois tipos fundamentais da reflexão humana e de suas gradações permitiu, todavia, ver que nesses escalonamentos o Eu se torna múltiplo de uma maneira toda particular, que em si se desenvolve uma multiplicidade de "Eu(s)", e contudo não deixa de ser um Eu uno e único.
- Este é um fenômeno estranho: todos conhecem o Eu, todos conhecem seu Eu, e no entanto não conseguimos dizer de forma simples e clara o que é verdadeiramente o Eu.
- O que é o Eu? É um momento descritível em um vivido?
- Todo vivido humano contém em si o Eu como momento estrutural interno, mesmo que às vezes apenas nos modos surpreendentes da torpor.
- Mesmo no sonho, onde tudo parece girar e sem regra, onde as imagens chegam, brilham e se desvanecem, onde aparecem ora vislumbres fugazes, ora visões distintas e hiperdistintas, o Eu também está aí (mit da), e, na verdade, primeiro como o Eu desse mundo quimérico ondulante e flutuante (ou seja, o Eu sonhado), e mais profundamente, como o Eu sonhador justamente imerso no sono, que pode "acordar".
- Nos vividos despertos há sempre uma coexistência do Eu que experimenta, um co-saber compartilhado com a própria consumação de sua vida.
- Todo ato é o de um Eu.
- Perceber uma árvore, o que constitui de certa forma uma sequência contínua de atos singulares que concorrem para a unidade de um objeto (percebo, por exemplo, a mesma árvore de diversos lados, em uma série de percepções parciais, de eventos laterais, etc.), não tem apenas um polo unitário do lado do objeto, no qual todos os aspectos se reúnem, mas também um polo egoico: o mesmo e único Eu contém os diversos aspectos e perspectivas, e é nessa contenção, na "síntese da apreensão", que ele constitui a unidade do objeto.
- Esse fenômeno da formação de unidade foi descrito e analisado muitas vezes, e mais recentemente com grande e minuciosa precisão na fenomenologia de Husserl
Husserl
Edmund Husserl EDMUND HUSSERL (1859-1938) . - Mas será que essa formação de unidade é de fato o solo fenomenal próprio para compreender a essência do Eu?
- Certamente, a polarização dos aspectos no objeto, as múltiplas perspectivas se relacionando à unidade na qual estão reunidas, só é possível porque o Eu "identifica".
- A unidade de sentido do objeto é uma identificação, e o é de certa maneira pela graça do Eu identificador.
- Em Kant Kant Emmanuel Kant (Immanuel en allemand), 1724-1804, é um dos autores de predileção de H., um daqueles do qual mais falou. , esse pensamento encontra sua radicalização decisiva e é aprofundado ontologicamente.
- O objeto não é ali simplesmente a unidade de eventos laterais (Seitenbegebenheiten), ele é compreendido mais fundamentalmente como forma estrutural de uma unidade, que como tal abrange um diverso.
- O objeto é compreendido como estrutura de uma substância com numerosas qualidades, e o Eu, segundo Kant Kant Emmanuel Kant (Immanuel en allemand), 1724-1804, é um dos autores de predileção de H., um daqueles do qual mais falou. , é a condição de possibilidade desse contorno do objeto.
- A unidade do Eu condiciona (be-dingt) a estrutura unitária da coisa interpretada como objeto.
- Kant Kant Emmanuel Kant (Immanuel en allemand), 1724-1804, é um dos autores de predileção de H., um daqueles do qual mais falou. explica essa concordância de condição entre a unidade do Eu e a unidade do objeto no capítulo difícil da Crítica da Razão Pura intitulado "Dedução transcendental dos puros conceitos do entendimento", do qual ele diz que é o mais difícil que jamais foi empreendido no campo da filosofia.
- Naturalmente, não se pode aqui se ocupar de dar conta dessa concordância, mas essa evocação já diz o suficiente sobre como problemas filosóficos centrais podem ser determinados por essas simples "estruturas de consciência", pela maneira como são compreendidas e interpretadas.
- Kant Kant Emmanuel Kant (Immanuel en allemand), 1724-1804, é um dos autores de predileção de H., um daqueles do qual mais falou. tem uma concepção da egoicidade que não toma o Eu como um objeto que só seria descoberto na reflexão, mas como algo que "deve poder acompanhar todas as minhas representações".
- A consciência do Eu é, portanto, compreendida como Syneides, como co-saber da vida, como consciência consumada.
- O Eu "acompanha" todo pensamento e toda experiência de objeto, e até mesmo torna possível a unidade do objeto em sua unidade.
- Mas, por isso, o problema da egoicidade não está ainda de forma alguma resolvido para Kant Kant Emmanuel Kant (Immanuel en allemand), 1724-1804, é um dos autores de predileção de H., um daqueles do qual mais falou. , que o trata mais amplamente nos "paralogismos da pura doutrina da alma", ou seja, na luta que ele trava contra a compreensão substancialista do Eu, contra a pretensa doutrina da "alma-coisa", e, por fim, de forma decisiva, na doutrina da liberdade.
- Para o nosso questionamento mais limitado, retenhamos primeiro a seguinte fórmula: "O Eu penso deve poder acompanhar todas as minhas representações".
- Como a egoicidade do eu é entendida aqui? O Eu é uma representação acompanhante, que corre atrás daquela que visa o objeto?
- Todo vivido de objeto é um vivido no qual o Eu é o que experimenta, mas nem por isso o Eu é um simples momento de vivido.
- Um vivido, um ato, uma percepção começa, percorre uma série de fases e, por fim, cessa, e a experiência do ato é um evento no "tempo interno", diz-se comumente.
- Mas o Eu prevalece nele também? Ele dura à maneira de uma continuidade real?
- No fluxo dos vividos, na corrente vivida, o Eu não tem local, não tem localização temporal.
- Ele não dura, como duram os atos, as impressões, etc., ele nunca é localizável, por assim dizer, em uma fase de atualidade.
- O Eu é arrancado do continuum interno do tempo vivido.
- E, no entanto, ele não é atemporal, a cada momento ele é "mais velho" sem ter, contudo, duração no sentido de continuidade de fase a fase.
- Manifestamente, portanto, o ser-no-tempo do Eu é totalmente diferente da duração, da perduração de vividos ou de coisas no tempo.
- Mas todas as impulsões e ações que emanam do Eu caem logo no tempo que continua.
- O Eu não tem em nenhuma hora ou segundo um conteúdo disponível (vorhanden) que se poderia reduzir por análise; ele não muda de "conteúdo" no curso de uma mudança contínua.
- E, no entanto, o Eu tem uma história e só pode ter a história de uma única vida, porque ele não advém no tempo como qualquer outro ato, uma dor, um seixo.
- Podemos observar ainda o que há de enigmático nessa relação temporal do Eu se considerarmos o fenômeno da habitualidade.
- Um afeto, um aborrecimento, uma raiva, são "vividos" que duram um momento, o aborrecimento se dissipa, a raiva se acalma.
- Talvez fiquemos aborrecidos ou com raiva porque alguém nos zangou, e mesmo quando o aborrecimento ou a raiva desapareceram há muito tempo, ainda estamos "zangados".
- Não há necessidade de manifestar uma presença afetiva do sentimento, é antes uma "tomada de posição" do Eu (em relação a um outro, precisamente aquele que nos zangou).
- Ou eu me decido por algo: a tomada de decisão é um ato que dura um momento, mas ao me decidir, eu ponho uma determinação (Entschlossensein) que deve durar.
- Essa determinação que dura não significa que há interrupção do presente ou perduração indefectível da decisão, ela não está presente permanentemente, não é um vivido de duração que possa durar anos e lustros.
- E, no entanto, eu permaneço determinado, e estou determinado mesmo quando não penso de forma alguma na decisão, quando durmo ou quando me ocupo de outros interesses.
- Estar determinado é um hábito (habitus) do Eu, e isso não indica a presença permanente no fluxo do vivido, mas é manifestamente uma persistência de um gênero particular.
- O Eu permanece em suas tomadas de posição, fundando assim um "estilo" de seu comportamento.
- Ele percorre o tempo de uma forma muito enigmática, está nele, mas de uma maneira muito diferente daquela que os eventos e as coisas têm de "durar" nele.
- O problema do ser-no-tempo próprio ao Eu é opaco, a relação do Eu e do tempo é obscura.
- E, no entanto, é apenas a partir de um olhar nessa concordância problemática que a multiplicação interna do Eu pode ser compreendida, assim como sua diversificação na reflexividade, cuja multiplicidade não faz a unidade explodir.
- Na consumação simples, natural e ininterrupta da vida, há uma soma de representações que nos assaltam apenas quando estamos despertos, ou seja, quando nossos sentidos estão vigilantes.
- Encontramo-nos sob a pressão incessante de coisas a perceber, embora não sejamos oferecidos sem defesas a essa pressão, podendo dirigi-la dentro de certos limites.
- Nossos interesses já agem aqui de forma muito seletiva, mas, globalmente, o comportamento que consiste em representar algo é passivo: ele recebe, é recepção das coisas que se oferecem a ele.
- Além disso, podemos buscar algo entre todas as coisas, podemos elaborá-las, pô-las em forma, desejá-las ardentemente, estar em sua busca, etc.
- Mas, a cada vez, essa vontade é ocasionada por um motivo, sucumbimos a uma tentação.
- Na dimensão da reflexão, o Eu tem uma esfera ingênua de liberdade.
- Essa liberdade de se refletir a si mesmo parece ser uma liberdade magra e pobre.
- No entanto, já no solo da interpretação da egoicidade humana, sob o duro esmalte de uma maneira de ver "formal e abstrata" das "estruturas da consciência", indica-se um conceito mais original de liberdade, o do "Sujeito-Eu" do contorno da liberdade.
- A liberdade é um "comportamento de si" do ser-aí.
Ver online : Eugen Fink
ÉPOKHÈ. Le statut du phénoménologique. Grenoble: Millon, 1990. v. N. 1.