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Le tonalità emotive

Bollnow (2009) – A angústia como uma manifestação do Nada

A construção da antropologia existencial sobre a tonalidade emocional da angústia

Neste contexto, não será possível desenvolver a interpretação da angústia pela filosofia da existência em toda a sua extensão, mas apenas expor seus traços fundamentais, necessários para compreender as consequências filosóficas que dela decorrem. A exposição aqui apresentada referir-se-á, mais do que ao tratamento sistemático e rigoroso de Heidegger, à interpretação mais livre de Kierkegaard Kierkegaard SØREN AABYE KIERKEGAARD (1813-1855) , com o intuito de delinear a posição geral da filosofia da existência e, ao mesmo tempo, retomar o exemplo anteriormente deixado em suspenso de uma interpretação filosófico-antropológica de um fenômeno muito particular.

Pode-se explicar mais facilmente a interpretação da angústia do ponto de vista da antropologia filosófica se se tenta distingui-la da concepção ingênua que se impõe, por assim dizer, por si mesma. A consideração ingênua entende a angústia como algo que acontece ao homem de modo inexplicável, mas, em última análise, fortuito, e que, portanto, seria estranho e exterior à natureza própria do ser humano, a seu núcleo constitutivo. Assim, a angústia aparece como um defeito que indiscutivelmente assalta o homem em certo momento, mas que não tem nenhum significado para a essência do ser humano e do qual, por conseguinte, convém libertar-se completamente, ou ao menos tanto quanto possível. A explicação da angústia seria, portanto, exclusivamente uma questão prática, pertencente ao educador ou ao médico, mas não ao autêntico filósofo. Poder-se-ia investigar sob quais condições (fisiológicas e psicológicas) a angústia surge no homem, como tais estados evoluem e de que modo podem ser eliminados, bem como as diversas formas que assume em diferentes tipos de pessoas. Poder-se-ia, portanto, reprovar a angústia de um ponto de vista ético, como falta de coragem e de resolução, exigindo-se do homem que a domine.

A questão, contudo, adquire relevância filosófica na medida em que não busca afastar a angústia como algo exterior, deplorável ou evitável, nem exige eticamente o seu superamento, mas avança a um nível mais profundo e fundamentalmente novo em relação ao anterior, procurando compreender a angústia como elemento significativo e necessário da constituição integral do ser humano. O que há de particular na interpretação da angústia pela filosofia da existência é que ela indaga imediatamente se a angústia possui um efeito positivo e construtivo na vida humana, e, a partir disso, procura interpretar a própria vida. Assim, ela não se aproxima da angústia a partir de um conceito fixo e pré-estabelecido do ser humano, nem a estuda como algo que (às vezes, infelizmente) o acomete, mas adquire uma nova profundidade ao deixar aberta a própria natureza do ser humano, procurando determiná-la novamente apenas a partir dessa análise.

A interpretação da angústia na filosofia da existência parte, com efeito, da distinção anteriormente estabelecida entre a angústia como pura tonalidade emotiva e o medo como sentimento (determinado): a ausência de direção e a indeterminação que impedem apontar qualquer objeto particular diante do qual se experimente angústia. “Se me pergunto, de fato, de que tenho verdadeiramente medo (…), não encontro nada (…), nenhuma razão plausível, sólida, portanto nada de real, de verdadeiro, de constante” (Baader Baader
Franz von Baader
FRANZ XAVER VON BAADER (1765-1841)
, Seele und Well, p. 85). Como o linguajar corrente tampouco é inteiramente claro, Baader Baader
Franz von Baader
FRANZ XAVER VON BAADER (1765-1841)
fala em “ter medo” (Fürchten), quando, segundo a distinção aqui estabelecida, deveria falar em “experimentar angústia” (Angstigen). Essa passagem é tanto mais importante por ter sido escrita antes de qualquer interpretação da angústia pela filosofia existencial, representando, assim, um testemunho imparcial da justeza da interpretação que dela faz a filosofia da existência.

A filosofia da existência interpreta, então, essa constatação afirmando que é o “Nada” (Aforais) mesmo que irrompe na angústia: “Se perguntamos mais de perto qual seja o objeto da angústia, devemos responder que não é absolutamente nada. A angústia e o Nada correspondem-se continuamente.”

Mas esse Nada que irrompe no objeto da angústia é algo diverso da simples ausência de um objeto determinado, própria também de outras tonalidades emotivas, tal como o estado de serenidade permeia o homem como um milieu geral e indeterminado, ou como Morike descreve o estado emotivo da experiência primaveril (Frülingserleben): “Tenho saudade, mas não sei bem de quê.” O Nada da experiência da angústia distingue-se de todas essas formas de indeterminação objetiva, próprias da essência geral das tonalidades emotivas, por ser um Nada excepcional, precisamente porque é experimentado expressamente como Nada.

As demais tonalidades emotivas deixam o homem em seu mundo, de modo que as coisas lhe permanecem familiares. A angústia, ao contrário, desprende o homem de todas as suas referências habituais, faz desaparecer, de certo modo, o mundo que normalmente o tranquiliza, de modo que, ao seu redor, ergue-se o Nada, na experiência de um abandono (Verlassen-sein) inquietante e opressivo. O desenraizamento (Unheimlichkeit) e a insegurança (Ungeborgenheit), em geral, irrompem nesse Nada da angústia. Nesse sentido, Heidegger afirma:

“Na angústia, dizemos, ‘alguém está desenraizado’ (…). Todas as coisas e nós mesmos afundamos em uma espécie de indiferença. Isso, contudo, não no sentido de que as coisas se dissipem, mas no sentido de que, justamente ao afastarem-se, as coisas se voltam para nós. Esse afastamento do ente em sua totalidade, que na angústia nos circunda, angustia-nos. Não resta nenhum apoio. No desvanecimento do ente, permanece apenas, e pesa sobre nós, esse ‘ninguém’ (kein). A angústia revela o Nada.”

Neste sentido, Heidegger pode, portanto, afirmar a primazia da angústia em relação às outras situações emotivas da existência: “A angústia é aquela situação emotiva fundamental (Grundbefindlichkeit) que nos coloca diante do Nada.” Nesta análise, porém, não se pode prosseguir na linha de pensamento que, para Heidegger, é decisiva em seus desenvolvimentos posteriores — a saber, de que modo essa experiência do Nada representa a condição de possibilidade de toda revelação de um ente —, devendo limitar-se apenas ao aspecto estritamente antropológico da questão: isto é, que, na angústia, se abre ao homem o seu próprio ser-aí em sua total insegurança e em seu desenraizamento: “Aquilo diante do qual a angústia é tal, é o ser-no-mundo mesmo.”


Ver online : O.F. Bollnow


BOLLNOW, Otto Friedrich. Le tonalità emotive. Tradução: Daniele Bruzzone. Milano: Vita e Pensiero, 2009