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Bettencourt de Faria (1995) – Ato e Potência (resumo)
- A fundamentação aristotélica da inteligibilidade do movimento mediante a concepção hilemórfica da ousia, superando a aporia eleata de Parmênides e heraclítica de Heráclito ao redefinir a mudança não como passagem do ser ao não-ser, mas como transformação de um substrato material que permanece, embora sob sucessivas determinações formais.
- A reconciliação do fenômeno do movimento com o princípio de não-contradição, onde o ato de mover-se é compreendido como a transição de uma forma a outra, assegurando a permanência de um subjacente que permite a atualização temporal de uma pluralidade de formas.
- A ordenação intrínseca e previsível do processo de mudança, onde a matéria não assume formas aleatórias, mas manifesta uma potência previamente contida, expressa na fórmula "το τι ην ειναι" – "o que era para ser" – que denota uma finalidade imanente e uma lei eterna da natureza.
- A investigação do ser enquanto ato e potência no livro IX da Metafísica, salientando a crucial distinção terminológica entre entelecheia e energeia para designar o ato, e a subsequente atribuição exclusiva de energeia a Deus, conciliando assim o Ato Puro com a perfeição imóvel e a autossuficiência absoluta.
- A genealogia do conceito de dynamis na filosofia pré-socrática, desde seu uso por Anaximandro
Anaximander
Anaximandro
Anaximandre Heidegger a consacré plusieurs textes à Anaximandre. para referir-se aos opostos que se diferenciam do apeiron até sua concepção em Anaxímenes Anaximenes
Anaxímenes como qualidades dinâmicas, e sua posterior evolução em Platão para dynameis entendidas como propriedades passivas ou pathe dos elementos. - A citação de Aristóteles em De Generatione et Corruptione sobre a relação entre potência e ação: "Digamos de que modo pertence aos entes o poder de gerar, de agir ou de sofrer a ação, e partindo do seguinte princípio enunciado muitas vezes: se há de uma parte o que está em potência e de outra o que está em ato (entelecheia) o que é, em ato, uma coisa de tal qualidade, é da natureza desta coisa em potência (dynamis) sofrer a ação, não somente em uma de suas partes com exclusão de outra, mas de um modo absoluto, enquanto é precisamente tal; mas sua passividade é maior ou menor na medida em que ela mesma seja tal".
- A definição da potência como um princípio de mudança, arche metaboles, que reside num ente preexistente e que, enquanto mera possibilidade ou disponibilidade, requer a atuação de um motor, seja ele externo ou imanente, para sua atualização, identificando-se com a própria matéria enquanto "o apropriado para" a recepção da forma, conforme a interpretação de Heidegger.
- A doutrina da potência como capacidade para contrários e sua bifurcação em potências racionais e irracionais, onde as primeiras, por estarem ligadas ao logos, envolvem a capacidade de escolha, proairesis, e as segundas se limitam a um único efeito, realizando-se seja como forma plena seja como privação, steresis.
- A rigorosa distinção ontológica entre privação, steresis, entendida como a ausência de uma propriedade em uma natureza subjacente que a deveria possuir, e a negação pura, apousia, que é uma ausência indeterminada, sendo a privação uma presença negativa que só se manifesta sobre o fundo de uma plenitude antecipada.
- A citação de Aristóteles sobre a diferença entre privação e negação: "Pois a negação daquilo é ausência (apousia); porém, na privação há também certa natureza subjacente (hypokeimenon tes physis) da qual se afirma a privação".
- A dinâmica distintiva de realização das potências, onde as irracionais tendem espontaneamente à manifestação plena, mas podem ser impedidas pela resistência material, enquanto as racionais, através do logos, podem deliberadamente produzir efeitos contrários, pois o enunciado conceitual projeta antecipadamente ambas as possibilidades.
- A citação de Aristóteles sobre as potências racionais: "podem elas mesmas produzir os efeitos contrários, porém as irracionais se limitam a um; por exemplo, o calor só pode aquecer, enquanto a medicina pode matar ou curar".
- A tese da anterioridade ontológica do ato e da forma sobre a potência e a matéria, encapsulada na noção de "το τι ην ειναι", que concebe a essência como um "já-ser" antecipado, um passado ontológico que determina o futuro, posicionando a forma como o princípio radical a partir do qual todas as operações de um ente são predeterminadas.
- A interpretação de Heidegger sobre a essência: "O que já era, o que foi, cada ente, cada acontecido, é o que se chama em alemão ’das Wesen’: a essência. No Wesen, a essência, no ’to ti en einai’ o ’era’, o momento passado, da anterioridade, se encontra já implicado".
- A função do logos como a faculdade de antecipação e projeção da plenitude essencial, articulando assim os planos ontológico, gnosiológico e prático, servindo simultaneamente como fundamento do conhecimento científico, diretriz para a ação ética e atrator final, hou heneka, que move o ente em direção à sua completude.
- A concepção de plenitude como a coincidência perfeita do ente com sua essência, onde o processo de vir-a-ser é interpretado como um retorno a uma plenitude originária que ainda não se realizou, sendo a atividade a via pela qual a essência sonegada se manifesta, introduzindo-se o mal ou a carência no hiato entre o ser factual e o ser essencial.
- A doutrina da eterna circularidade do ser, na qual o fim, telos, se identifica com o princípio, arche, numa ordem onde a aparente novidade é considerada monstruosidade, uma transgressão da medida, exigindo uma compreensão da anterioridade do ato na lógica do tempo cíclico grego e não na linearidade do tempo histórico cristão.
- A imutabilidade do eidos e do genos perante o fluxo da geração e da corrupção, onde a forma específica e a proveniência do ente permanecem inalteradas e ao abrigo da corrupção que afeta os indivíduos materiais, assegurando a eternidade da espécie.
- A interpretação de Heidegger sobre a anterioridade do eidos: "O quid que precede todo acontecer, a evidência que serve de critério, não está mais, como o efetivo, submetida à alterabilidade da geração e da corrupção".
- A relação sistemática entre fins, desejo, orexis, e escolha, proairesis, dentro de uma ordem cosmológica imutável, onde os fins necessários, enquanto objetos de desejo, garantem a ordem e servem de referência para a aparição da privação, fundamentam a existência da potência e orientam a escolha racional das mediações adequadas.
- A análise conceitual dos termos entelecheia e energeia para designar o ato, onde entelecheia enfatiza o estado de repouso e posse do fim, "ter em si o término", enquanto energeia deriva de ergon, obra, acentuando o próprio processo de efetivação e atividade manifestativa, sendo este último termo privilegiado para descrever o Ato Divino.
- A citação de Aristóteles sobre a primazia do movimento para compreender o ato: "pois o ’ato’ (energeia) parece ser principalmente o movimento".
- A crítica distinção entre energeia, como atividade contínua que é fim em si mesma, e kinesis, como movimento descontínuo que se esgota num termo exterior, caracterizando o mundo sublunar como o reino da kinesis ateles, imperfeita, por não poder manter-se na plenitude do seu termo.
- A construção de uma hierarquia ontológica que parte da imobilidade pura da substância primeira, passando pelo movimento circular contínuo dos corpos celestes, pela atividade recíproca dos elementos e descendo até o movimento descontínuo de geração e corrupção dos compostos sublunares, entendida como uma degradação progressiva a partir da perfeição inicial.
- A doutrina da eternidade da forma e da espécie face à transitoriedade do indivíduo material, onde a geração e a corrupção afetam apenas o composto hilemórfico, jamais a forma em si ou a matéria primordial, assegurando a permanência das espécies através da renovação cíclica dos indivíduos.
- A recusa categórica de qualquer princípio indeterminado como primeiro, argumentando que do Primeiro, que é ato puro e simples, não há contrário, sendo a alteridade, a multiplicidade e o movimento derivações posteriores que, no entanto, aspiram sempre a regressar à unidade, identidade e imobilidade originárias.
- A concepção de uma coexistência eterna entre a unidade do princípio e a multiplicidade dos entes derivados, onde a anterioridade do Ato não é temporal mas ontológica, permitindo que a simplicidade e atualidade da Forma convivam com a realização imperfeita e sonegada das formas nos entes materiais do mundo sublunar.
- A integração da desordem, do acaso e da matéria individualizante, hyle topike, na economia da ordem cósmica necessária, onde a aparente contingência do mundo sublunar está inscrita e contida pela harmonia superior do Todo, sendo acessível apenas à sabedoria filosófica que contempla a physis desde uma perspectiva meta ta physica.
BETTENCOURT DE FARIA, Maria do Carmo. A Liberdade Esquecida. São Paulo: Edições Loyola, 1995