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Do ser do fenômeno

Barbaras (1991) – O idealismo de Merleau-Ponty

O dualismo da Fenomenologia da Percepção

  • Muitos comentadores criticaram Merleau-Ponty Merleau-Ponty
    Maurice Merleau-Ponty
    MAURICE MERLEAU-PONTY (1908-1961)
    Extratos por termos relevantes
    por ter ido longe demais na crítica ao intelectualismo, dissolvendo a reflexão na vida irrefletida, impedindo-se de dar conta da reflexão e da objetivação e, consequentemente, de fundamentar a possibilidade do seu próprio discurso, o que faria tal filosofia só ser coerente se coincidisse com o silêncio do mundo vivido e se abolisse como filosofia.
  • Julga-se, pelo contrário, que, conduzida sob o pressuposto da consciência, Fenomenologia da percepção permanece profundamente tributária do intelectualismo que denuncia.
  • A afirmação do cogito, que é correlativa à perspectiva transcendental delineada em A estrutura do comportamento, onera a descrição do mundo vivido, que acaba por ser sempre já compreendido como uma natureza.
  • Ao determinar a teleologia a partir da consciência, em vez de a consciência como teleologia (não pensando a teleologia enquanto tal), Merleau-Ponty Merleau-Ponty
    Maurice Merleau-Ponty
    MAURICE MERLEAU-PONTY (1908-1961)
    Extratos por termos relevantes
    é de certa forma envolvido por ela, dependente da sua direção objetivante.
  • O fenômeno está sempre já subordinado à consciência, o mundo sempre já identificado à natureza, e, por fim, a percepção à razão, em vez de a inscrição da razão no mundo (a própria teleologia) ser explicitada.
  • Neste sentido, a intervenção de J. Beaufret Beaufret
    Jean Beaufret
    JEAN BEAUFRET (1907-1982)
    no debate após a conferência sobre o primado da percepção é premonitória: "Dizer que Merleau-Ponty Merleau-Ponty
    Maurice Merleau-Ponty
    MAURICE MERLEAU-PONTY (1908-1961)
    Extratos por termos relevantes
    se detém numa fenomenologia sem possível superação é desconhecer que a superação do empírico pertence ao próprio fenômeno, no sentido em que a fenomenologia o entende. Neste sentido, com efeito, o fenômeno não é o empírico, mas o que se manifesta realmente, aquilo de que podemos verdadeiramente ter a experiência, por oposição ao que seria apenas construção de conceitos. A fenomenologia não é uma queda no fenomenismo, mas a manutenção do contato com ’a própria coisa.’ Se a fenomenologia repele as explicações ’intelectualistas’ da percepção, não é para abrir a porta ao irracional, mas para a fechar ao verbalismo".
  • A crítica de Beaufret Beaufret
    Jean Beaufret
    JEAN BEAUFRET (1907-1982)
    a Merleau-Ponty Merleau-Ponty
    Maurice Merleau-Ponty
    MAURICE MERLEAU-PONTY (1908-1961)
    Extratos por termos relevantes
    é de que este não foi "suficientemente radical": "As descrições fenomenológicas que nos propõe mantêm, com efeito, o vocabulário do idealismo. Estão, nisto, ordenadas às descrições husserlianas. Mas todo o problema é precisamente saber se a fenomenologia levada a fundo não exige que se saia da subjetividade e do vocabulário do idealismo subjetivo como, partindo de Husserl Husserl
    Edmund Husserl
    EDMUND HUSSERL (1859-1938)
    , o fez Heidegger".
  • Contudo, não se deve concluir que a censura dos comentadores (sobre o irracionalismo do vivido) é infundada, pois não há alternativa entre censurar Merleau-Ponty Merleau-Ponty
    Maurice Merleau-Ponty
    MAURICE MERLEAU-PONTY (1908-1961)
    Extratos por termos relevantes
    pelos seus pressupostos intelectualistas e denunciar nele um irracionalismo do vivido.
  • É precisamente por não ir longe o suficiente na descrição do mundo vivido que ele é simultaneamente levado a ir longe demais: a manutenção do vocabulário do intelectualismo obriga a que a descrição do mundo se realize sob a forma de uma pura e simples negação da consciência intelectual, aparecendo então como um regresso à irracionalidade do vivido ou, mais precisamente, como uma identificação do vivido com o empírico.
  • O reparo de Beaufret Beaufret
    Jean Beaufret
    JEAN BEAUFRET (1907-1982)
    (a acusação de desconhecimento da fenomenologia) pode ser dirigido ao próprio Merleau-Ponty Merleau-Ponty
    Maurice Merleau-Ponty
    MAURICE MERLEAU-PONTY (1908-1961)
    Extratos por termos relevantes
    : ao abordar o fenômeno pelas categorias do idealismo, situando-se a montante ou para além da fenomenalidade, o regresso ao fenômeno consuma-se como negação imediata desse idealismo e aparenta ser um refluxo ao empírico, aquém e a jusante do fenômeno.
  • A leitura imediata, atenta à descrição do mundo percebido, toma a crítica ao intelectualismo ao pé da letra e resulta na censura de irracionalismo, pois Fenomenologia da percepção não foca o problema da reflexão e da razão, não contendo o necessário para evitar a interpretação de uma assimilação do fenomenal ao empírico.
  • A leitura fenomenológica, como a de Beaufret Beaufret
    Jean Beaufret
    JEAN BEAUFRET (1907-1982)
    , posiciona-se desde o início no plano do fenômeno (distinto do empírico) e atenta à incapacidade de Merleau-Ponty Merleau-Ponty
    Maurice Merleau-Ponty
    MAURICE MERLEAU-PONTY (1908-1961)
    Extratos por termos relevantes
    em desvelar a sua originalidade, dada a sua dependência do vocabulário da subjetividade.
  • Merleau-Ponty Merleau-Ponty
    Maurice Merleau-Ponty
    MAURICE MERLEAU-PONTY (1908-1961)
    Extratos por termos relevantes
    permanece aprisionado à dualidade entre reflexão e irrefletido: dominado pelo pressuposto do primado de uma ordem reflexiva autônoma, ele só consegue caracterizar o fenomenal como o próprio irrefletido, no sentido de uma negação de toda a reflexão.
  • Inversamente, ao questionar a autonomia da ordem reflexiva, interrogando o enraizamento da consciência intelectual na vida perceptiva, ele será levado a superar a própria noção de irrefletido.
  • Para que a reflexão se possa enraizar no irrefletido, este não pode ser o outro da reflexão, mas o seu local de nascimento, uma reflexão incipiente.
  • A posição acrítica de uma ordem reflexiva conduzia à apreensão do fenômeno como a sua negação imediata, o irrefletido: inversamente, uma crítica genuína da reflexão, apreendendo-a no seu próprio fenômeno, impõe uma crítica do irrefletido.
  • Ao denunciar toda a autonomia da reflexão, reconhecendo profundamente o seu caráter de reflexão sobre um irrefletido, Merleau-Ponty Merleau-Ponty
    Maurice Merleau-Ponty
    MAURICE MERLEAU-PONTY (1908-1961)
    Extratos por termos relevantes
    deve descobrir que o irrefletido só tem sentido como irrefletido para a reflexão.
  • À ideia de negação imediata, deve-se substituir um outro sentido da negação: "negação-referência (zero de…)" que só existe como o começo (no lado do irrefletido) ou como a conservação (no lado da reflexão) daquilo de que é a negação.
  • Nesse caso, a noção de consciência, longe de ser evidente, será o título de um problema (o da fenomenalidade, ou seja, do mundo), devendo ser apreendida como um momento do mundo em vez de o seu oposto.
  • Em Fenomenologia da percepção, Merleau-Ponty Merleau-Ponty
    Maurice Merleau-Ponty
    MAURICE MERLEAU-PONTY (1908-1961)
    Extratos por termos relevantes
    permanece aquém dessas conclusões, pois o terreno fenomenal é abordado através de categorias que encobrem a sua originalidade, originando interpretações contraditórias.
  • Merleau-Ponty Merleau-Ponty
    Maurice Merleau-Ponty
    MAURICE MERLEAU-PONTY (1908-1961)
    Extratos por termos relevantes
    apercebeu-se disso, declarando no seu dossiê de candidatura ao Collège de France que a necessidade era fixar o sentido filosófico das suas primeiras investigações, pois "O estudo da percepção só podia ensinar-nos uma ’má ambiguidade,’ a mistura da finitude e da universalidade, da interioridade e da exterioridade.".
  • Isto não significa renunciar aos resultados de Fenomenologia da percepção, cujo único defeito é permanecer no plano descritivo, contentando-se em desvelar um domínio que carece de ser pensado.
  • Esta clarificação, que consiste em passar da descrição do mundo percebido à filosofia da percepção que ela implica, será o tema dos textos subsequentes, sendo a amplitude da remodelação imposta evidente apenas em O visível e o invisível.
  • Numa nota de trabalho, ele esclarece: "Resultados de Fenomenologia da percepção — Necessidade de os levar à explicitação ontológica.".
  • A insuficiência de Fenomenologia da percepção deve-se, aos olhos de Merleau-Ponty Merleau-Ponty
    Maurice Merleau-Ponty
    MAURICE MERLEAU-PONTY (1908-1961)
    Extratos por termos relevantes
    , às categorias através das quais os seus resultados são explicitados: "Os problemas que persistem após esta primeira descrição: prendem-se ao fato de ter conservado em parte a filosofia da consciência"; e mais explicitamente: "Os problemas postos em Fenomenologia da percepção são insolúveis porque parto nela da distinção ’consciência’ — ’objeto’".
  • O que se aplica a Fenomenologia da percepção como um todo, é especialmente verdadeiro para a parte relativa ao problema do outro.
  • É por isso que a descrição da experiência do outro manifesta, mais do que em qualquer outro lugar, a insuficiência da perspectiva adotada nesta obra e, consequentemente, a necessidade de uma passagem à ontologia.

Ver online : Renaud Barbaras


BARBARAS, Renaud. De l’être du phénomène. Grenoble: Jérôme Millon, 1991