Página inicial > Fenomenologia > Barbaras (1991) – A crítica simétrica do intelectualismo e do realismo
Do ser do fenômeno
Barbaras (1991) – A crítica simétrica do intelectualismo e do realismo
O dualismo da Fenomenologia da Percepção
- O propósito fundamental de Merleau-Ponty
Merleau-Ponty
Maurice Merleau-Ponty MAURICE MERLEAU-PONTY (1908-1961)
Extratos por termos relevantes , explicitado na Introdução de A estrutura do comportamento, é o de compreender a relação intrínseca entre a Consciência e a natureza. - A psicologia, ao tentar conceber esta relação, encontra-se numa situação marcada pela justaposição de uma filosofia criticista que estabelece a natureza como uma unidade objetiva constituída diante da consciência, e de uma ciência que insere a consciência na natureza, concebendo a sua relação num modo causal.
- Abordar diretamente a questão da relação entre consciência e natureza, sem recorrer aos resultados da ciência, arrisca-se ao intelectualismo e mantém-se aprisionado à mencionada alternativa filosófico-científica.
- Torna-se imperativo, portanto, abordar o problema "partindo de baixo", através de uma análise da noção de comportamento, a qual se apresenta como neutra em relação à distinção entre o psíquico e o orgânico, o que implica, inicialmente, aceitar os pressupostos naturalistas da psicologia descritiva.
- Merleau-Ponty
Merleau-Ponty
Maurice Merleau-Ponty MAURICE MERLEAU-PONTY (1908-1961)
Extratos por termos relevantes assume a postura de não prejulgar, declarando: "Não querendo nada prejulgar, tomaremos ao pé da letra o pensamento objetivo e não lhe faremos perguntas que ele próprio não faz. Se formos levados a reencontrar a experiência por detrás dele, essa passagem só será motivada pelos seus próprios embaraços." - O processo que conduz ao reencontro com a experiência desdobra-se em dois momentos: a análise da psicologia da forma questiona a ontologia naturalista, caracterizando a relação organismo-meio como uma compreensão, uma maneira de visar o mundo circundante que é irredutível à hipótese de constância, ou seja, à relação causal unívoca entre estímulo e resposta.
- O organismo não reage ao estímulo por suas propriedades objetivas, mas sim em função do valor que este adquire no contexto dos a priori vitais do animal.
- O papel da filosofia consiste em levar o movimento de superação da hipótese causal às suas últimas consequências, o que a psicologia da forma, por tender a manter a forma no quadro do ontologismo objetivista, subordinando o "mundo do comportamento" ao "mundo geográfico", não consegue vislumbrar.
- Desde que a transição da ordem física para a ordem fenomenal se revele motivada, a subordinação de uma à outra deve ser total, pois não é possível afirmar que o mundo se apresenta ao animal como um meio significante em vez de um conjunto de indivíduos físico-químicos e, simultaneamente, situar a relação do comportamento animal com esse meio no plano de uma natureza em si.
- Em suma, o "mundo geográfico" perde o seu sentido e se confunde com o "mundo do comportamento" do observador; a referência de Merleau-Ponty
Merleau-Ponty
Maurice Merleau-Ponty MAURICE MERLEAU-PONTY (1908-1961)
Extratos por termos relevantes à ciência justifica-se na medida em que esta, se compreendida de forma consequente, atua como fenomenologia, pois a noção de forma liberta uma perspectiva transcendental. - O desvio pela psicologia da forma, embora crucial para a crítica ao naturalismo, seria infrutífero se não permitisse uma nova concepção da consciência transcendental.
- Caso se tratasse apenas de demonstrar que o "mundo do comportamento" e o próprio comportamento são meros objetos para uma consciência, "um instante de reflexão nos teria trazido uma certeza de princípio."
- A certeza de princípio, veiculada pelo cogito, seria: "O cogito não nos ensina de uma vez por todas que não teríamos o conhecimento de coisa alguma se não tivéssemos primeiro o da nossa própria consciência e que até mesmo a fuga para o mundo e a decisão de ignorar a interioridade ou de não abandonar as coisas, que é o essencial do behaviorismo, não pode ser formulada sem se transformar em consciência e sem pressupor a existência para si?".
- No entanto, ao trilhar essa "via curta", ter-se-ia perdido o essencial do fenômeno, o paradoxo constitutivo de que "o comportamento não é uma coisa, mas não é, tampouco, uma ideia, não é o invólucro de uma pura consciência e, como testemunha de um comportamento, eu não sou uma pura consciência".
- Por isso, Merleau-Ponty
Merleau-Ponty
Maurice Merleau-Ponty MAURICE MERLEAU-PONTY (1908-1961)
Extratos por termos relevantes deve, num movimento descendente, demonstrar que a noção de forma, ao fundar a crítica ao naturalismo, possibilita, pelos mesmos motivos, um questionamento do intelectualismo. - A relação significante entre o organismo e o seu meio continua a ser uma relação com uma realidade, uma transcendência, e, portanto, não se baseia numa consciência transparente a si mesma nem num ato de conhecimento.
- A análise do comportamento revela o que Merleau-Ponty
Merleau-Ponty
Maurice Merleau-Ponty MAURICE MERLEAU-PONTY (1908-1961)
Extratos por termos relevantes já designa como existência, um ser-no-mundo, que é uma relação tácita com uma presença, diferente da posse de uma representação. - O filósofo resume a conclusão de A estrutura do comportamento: "A ’coisa’ natural, o organismo, o comportamento do outro e o meu só existem pelo seu sentido, mas o sentido que neles irrompe não é ainda um objeto kantiano, a vida intencional que os constitui não é ainda uma representação, a ’compreensão’ que lhes dá acesso não é ainda uma intelecção".
- Esta nova acepção da consciência transcendental, apenas esboçada em A estrutura do comportamento, é desenvolvida em Fenomenologia da percepção, onde se procura confirmar e aprofundar, no plano da experiência perceptiva vivida, a perspectiva aberta pela obra anterior, explorando o domínio que nela havia sido explicitado apenas ao nível do comportamento animal.
- Enquanto A estrutura do comportamento se centrava na objetividade para evidenciar o fracasso das ontologias naturalistas e libertar a dimensão constitutiva da consciência, Fenomenologia da percepção se desenvolve no terreno da consciência vivida para expor a impossibilidade de conceber a sua obra constituinte como uma posse intelectual.
- O estudo da consciência vivida confirma, no plano humano, a exterioridade a si e a obscuridade que a análise do comportamento animal revelava.
- A primeira obra, ao adotar um ponto de vista externo, observando o comportamento como objeto no mundo, visava a denúncia do realismo; a segunda, ao adotar o ponto de vista interno da experiência perceptiva, libertado pela psicologia da forma, dirige a sua crítica principalmente contra o intelectualismo.
Ver online : Renaud Barbaras
BARBARAS, Renaud. De l’être du phénomène. Grenoble: Jérôme Millon, 1991