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L’Illumination du Coeur
Allard l’Olivier (IC:59-70) – Os Objetos imaginários
I. A Natureza e o Estatuto dos Objetos Imaginários
- Os objetos imaginários apresentam-se ao sujeito radical com os mesmos atributos dos objetos sensíveis, sem o serem, pois não resultam da percepção sensorial, mas da memória ou da imaginação, sendo, portanto, objetos de pensamento que se manifestam como imagens fugazes ou persistentes, totais ou parciais, fracas ou fortes.
- Estes objetos abrangem desde imagens de experiências passadas, como o rosto de um amigo ou o sabor de uma fruta, até construções imaginárias de coisas nunca vistas, como o aspecto de um lugar desconhecido, incluindo também o conteúdo dos sonhos e da pensamento sonhador, onde as imagens surgem com um dinamismo próprio, num espetáculo visado pela subjetividade radical, quer o sujeito esteja adormecido ou acordado mas entorpecido.
- A diferença fundamental reside em que o objeto sensível hic et nunc se dá como "outro que eu" e como real e existente, na medida em que o sujeito existe corporalmente, sendo percebido, enquanto a imagem não é percepcionada, mas "como que percepcionada", sendo imanente ao pensamento onde o proferente a visa.
- O sujeito humano geralmente distingue sem dificuldade a imagem do sensível stricto sensu, exceto na alucinação, onde imagens intensas se impõem com a força do real, ou quando se perde o sentido da alteridade existencial do sensível, reduzindo-o à consistência de uma mera imagem.
- Define-se a irrealidade ou ilusão como o momento em que uma coisa imaginária é tomada por sensível stricto sensu (alucinação) ou quando uma coisa sensível é considerada imaginária ou confundida com outra, sendo a veracidade de uma coisa sensível condicionada à sua não decepção, como a corda tomada por uma serpente.
- A aceitação da existência corporal do sujeito e das coisas sensíveis hic et nunc impõe, ao nível da constatação originária, uma distinção entre a realidade sensível stricto sensu, composta de existentes análogos ao sujeito, e a realidade imaginária, sendo a primeira condicionalmente evidente.
- A realidade sensível lato sensu compreende de forma indivisa a representação e a realidade sensível stricto sensu como duas dimensões de uma mesma realidade única, onde o sensível stricto sensu confere "densidade existencial" ao conjunto e a representação, tecida de imagens coerentes, lhe confere inteligibilidade, distinguindo-o do puro pensamento.
II. A Classificação das Imagens quanto à sua Significação Existencial
- A "densidade existenticial" dos objetos sensíveis atualmente percebidos ressalta sobre os elementos imaginários da representação, iluminando-os inteligivelmente, mas este ressalto não é uniforme, sendo puramente fictício em certos casos, dependendo de os objetos imaginários serem reputados como pertencendo à existência do sensível stricto sensu ou não.
- Estabelece-se uma classificação fundamental das imagens: as imagens não significativas, que são ficções como os centauros ou personagens de romance, e as imagens significativas, que são realidades, subdividindo-se estas últimas em imagens diretamente significativas (não conjecturais: lembranças; conjecturais: previsões) e imagens indiretamente significativas (testemunhos).
- A significação existencial de uma imagem indica que ela pertence, por vezes através de longos desvios, à existência presente, passada ou futura dos objetos sensíveis stricto sensu, não remetendo para um "outro" fora dela, mas significando a si mesma quando submetida ao tratamento da conhecimento inteligível que a liga a percepções sensoriais.
III. Análise das Imagens Diretamente Significativas: Lembranças e Previsões
- Uma lembrança é uma imagem que o sujeito consegue relacionar inteligivelmente com pelo menos uma situação passada caracterizada por percepções sensoriais das quais foi autor, sendo a imagem diretamente representativa, apresentando o próprio objeto (ex: o amigo Pierre) presentemente na representação.
- Conhecer ou transcender a imagem-lembrança não é sonhar acordado com associações, mas ligá-la inteligivelmente a percepções sensoriais passadas que a garantem, sendo a imagem significativa por estar assim ligada, diretamente significativa por o sujeito ter sido o autor das percepções, e não conjectural por, em princípio, não envolver invenção imaginativa.
- Uma previsão é uma imagem referível a percepções futuras, possíveis ou certas, que se apresenta perante a subjetividade radical e é fornecida pela imaginação, sendo diretamente significativa porque o sujeito será o autor das percepções, mas conjectural porque ignora o que estas revelarão ou se se realizarão.
- As representações do sensível anteriormente percebido ou a perceber, estabelecidas com o concurso do pensamento ativo, não podem decidir com certeza absoluta sobre o estatuto existencial desse sensível, dependendo a existência das coisas sensíveis stricto sensu do sentimento vívido de existir corporalmente, levantando-se a questão de saber se a radicalidade subjetiva existentifica também o sujeito corporal.
IV. As Imagens Indiretamente Significativas e a Questão do Testemunho
- Uma imagem é indiretamente significativa quando a sua significação está ligada a percepções sensoriais das quais o sujeito não foi autor, mas sim um outro que ele se representa, sendo a representação de segundo grau e envolvendo uma cadeia, por vezes longa e complexa, de testemunhos ou transmissores não humanos.
- O risco de a cadeia ser puramente mítica, ou seja, não significativa, cresce com o seu comprimento e complexidade, exigindo por vezes um longo trabalho de verificação, e se este for negativo, conclui-se que a imagem indireta não é significativa.
- A imagem não significativa, como uma personagem de romance (ex: Emma Bovary), não pode ser situada na representação como ligada a percepções sensoriais, sendo a sua inteligibilidade derivada e remetendo para um outro objeto de pensamento, como o seu criador, e não para ela própria enquanto significada.
V. A Representação entre Significação e Mitologia
- As partes da representação tecidas com imagens significativas amalgamam-se com partes tecidas com imagens não significativas, tornando-se a representação mítica onde as imagens ditas indiretamente significativas não se distinguem das destituídas de significado, especialmente nas origens lendárias ou quando é impossível estabelecer um testemunho na origem de uma cadeia.
- A reflexão crítica e a interpretação de vestígios pretendem suprir a ausência de testemunhos, como na ciência moderna, mas uma imagem que não pode ser ligada a percepções é, não obstante, uma imagem mítica, tal como muitas antecipações ou representações consoladoras que são meros devaneios.
- Uma imagem é significativa apenas se a sua existência no pensamento estiver ligada a percepções atuais ou inatuais, sendo o sujeito percebente o próprio ou outro sujeito humano representado, não bastando imaginar um testemunho hipotético, que seria ele próprio uma imagem sem significado.
- A conclusão é que a representação, enquanto composta de imagens, banha na mitologia, tanto no que diz respeito ao Grande e ao Pequeno (universos galácticos, partículas elementares) como à Origem e Fim do Universo, tendo-se esboçado esta análise para salientar que as imagens, tal como os objetos sensíveis, são objetos visados pela radicalidade subjetiva que profere o sum em todo o ser humano.
Ver online : Allard l’Olivier
[ALLARD L’OLIVIER, André. L’illumination du coeur. Paris: Ed. Traditionnelles, 1977]