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L’Illumination du Coeur

Allard l’Olivier (IC:42-52) – A Expectativa

A Evidência Relativa

I. A Natureza do Princípio Radical Subjetivo e a Constatação Originária

  • O sujeito puro não se identifica com os objetos da percepção, imaginação ou pensamento, pois o princípio radical da subjetividade, que profere o "eu", situa-se para além ou aquém de todos os "algo" percebidos, imaginados ou pensados, sendo consequentemente rigorosamente inobjetivável.
  • Este princípio radical é um ato de ser, não um pensamento sobre a existência, mas a própria existência que possibilita o pensamento, a imaginação e a percepção, devendo-se afirmar "sum ergo cogito" e não "cogito ergo sum".
  • O princípio radical da subjetividade é o proferidor do "sum", sem ser idêntico ao "mim" empírico, assemelhando-se antes a uma ígnea impulsão existencial que posiciona o sujeito como percebente e pensante.
  • A constatação originária estabelece com evidência a existência do eu como pensante, imaginante e percebente, mas a realidade existencial das coisas sensíveis não se dá com a mesma evidência, podendo estas ser apenas imagens que pretendem existir, como num sonho onde se percebe coisas sensíveis que têm apenas a aparência de existir.
  • É necessário, contudo, ter em conta que as coisas sensíveis parecem evidentemente existir, um facto do qual o sujeito se contenta na vida quotidiana, afastando-se da posição cartesiana ao não se definir como "coisa pensante" e ao reconhecer que a própria pensamento é objetiva face ao princípio radical.

II. A Objetividade e a Classificação dos Objetos da Consciência

  • Os termos "coisa", "objeto" e "ser objetivo" são rigorosamente sinônimos, designando tudo aquilo que não é o próprio proferidor existencial, abrangendo desde entidades matemáticas e noções até coisas sensíveis e partes do próprio corpo.
  • Todas as coisas, na sua qualidade de objetos, são "visadas" pelo proferidor-visante, que é o sujeito puro, sendo os objetos classificados como sensíveis, quando apreendidos hic et nunc pelos sentidos, ou não sensíveis, sendo estes últimos objetos de pensamento divididos em inteligíveis ou imaginais.
  • Ao visar as coisas que surgem e aparecem, o sujeito conhece-as como "lá" presentes, reconhecendo-as como já conhecidas ou como devendo ser melhor conhecidas, o que leva a suspeitar da existência de um princípio superior perante o qual as coisas se apresentam e que especifica o sujeito como radical.
  • O conhecimento acabado não é apenas obra do princípio radical visante, mas requer a intervenção do mental, o órgão do pensamento razoável, sendo a "inteligência" o nome que convém à união entre o princípio radical e o mental, formando o espírito (νους).
  • Enquanto ser corporal, o sujeito é uma coisa sensível entre outras; enquanto pensamento, pensa coisas sensíveis; mas enquanto proferidor que diz "eu" e visa tudo o que se lhe oferece, o sujeito não é nem o corpo nem o pensamento, mas uma realidade pura e radicalmente subjetiva.

III. A Inobjetivabilidade do Princípio Radical Subjetivo

  • Para além de todos os aspectos objetivos do "ser-que-eu-sou", existe precisamente o princípio que profere e que visa, que especifica o sujeito puro e que é, consequentemente, pura subjetividade e absolutamente inobjetivável, pois se fosse objetivável seria visável pelo próprio visor que ele é.
  • O princípio radical, sendo o visor, nunca pode ser ele próprio visado, tal como o olho corporal vê tudo exceto a si mesmo, a não ser através de um reflexo num espelho, sendo a noção deste princípio precisamente esse reflexo no espelho da objetividade.
  • É necessário, portanto, postular firmemente no ser humano completo um princípio de pura subjetividade, proferidor do "eu" e absolutamente inobjetivável, embora seja possível discursar sobre ele no mental como "aquilo" que, visando tudo, não pode ser ele próprio visado.
  • É através desta pura subjetividade existencial que o sujeito existe de modo diferente de uma coisa, ainda que, sob outro ponto de vista, seja uma coisa visante, atuante e pensante no mundo das coisas sensíveis, na medida em que é também corporal, dotado de memória, inteligência, imaginação, etc.

IV. A Relação entre o Princípio Radical e o Conhecimento

  • O princípio radical da subjetividade, sendo rigorosamente inobjetivável, define o sujeito como existente, proferante e visante, constituindo a condição necessária de todo o conhecimento, embora não seja suficiente para um conhecimento acabado, que requer as operações do mental visado e ativado por este princípio.
  • Qualquer objeto visado é sempre radicalmente conhecido pelo simples facto de ser visado, ainda que não seja necessariamente conhecido de maneira acabada, sendo imediatamente conhecido como já conhecido ou como a ser conhecido, não havendo objeto não visado nem visão sem objeto.
  • Neste sentido específico, o sujeito radical está para o objeto visado como o conhecedor para o conhecido, pois a relação de visão estabelece um conhecimento mínimo e imediato do objeto.

V. A Intencionalidade e a Questão da Existência

  • A relação que une o sujeito puro ou radical ao objeto pode ser designada, seguindo Husserl Husserl
    Edmund Husserl
    EDMUND HUSSERL (1859-1938)
    , como "intenção", sendo a intencionalidade o próprio ser, cujos "momentos" são o ser do objeto e o ser do sujeito, não se confinando a uma "interioridade psicológica".
  • A radicalidade subjetiva de um sujeito conhecente visa não apenas os objetos sensíveis que o rodeiam, mas o seu próprio corpo, as suas partes, e todos os objetos inteligíveis ou imaginais mentalmente presentes, devendo a linha que separa o sujeito do não-sujeito isolar o sujeito radical, puro proferidor-visante, de tudo o que ele não é.
  • Husserl Husserl
    Edmund Husserl
    EDMUND HUSSERL (1859-1938)
    , ao prescrever a "colocação entre parênteses" de toda a existência, tanto do polo subjetivo como do polo objetivo da relação intencional, parece ter-se fechado o caminho que conduz à descoberta do princípio radical subjetivo, que, uma vez descoberto, se impõe como aquilo que não pode ser objetivamente visado, mas que visa tudo e é pelo qual o sujeito pensante e percebente existe.
  • É urgente reintroduzir a noção de "existir", distinguindo-a da noção de "ser": existir é ser em ato, e enquanto é certo que o sujeito existe pela virtude do seu princípio radical subjetivo, ignora-se se este existir abrange a totalidade do "ser-que-eu-sou", nomeadamente o seu corpo, e se as coisas sensíveis existem como o sujeito existe.

VI. A Problematização da Existência das Coisas Sensíveis

  • É certo que o sujeito existe devido à sua radicalidade subjetiva e que é uma coisa sensível entre outras devido à sua condição corporal, mas a existência corporal do sujeito e das coisas sensíveis que o rodeiam não é apoditicamente evidente, levantando-se a questão de saber o que exatamente existe pelo "raio existencificador" do princípio radical.
  • As coisas sensíveis elevam uma "pretensão à existência", mas a sua realidade existencial é problemática, podendo ser apenas ilusoriamente dotadas de existência, pois a experiência certa da existência limita-se à atividade subjetiva do sujeito, não se estendendo com certeza inabalável às coisas sensíveis.
  • A existência real do sujeito não implica necessariamente a existência real do mundo sensível no qual está corporalmente enviscerado, pois se o corpo for apenas um objeto que o "eu" manobra ilusoriamente, a existência real das coisas sensíveis será, por consequência, também ilusória.

VII. A Evidência do Ser e a Distinção das Essências

  • Se a existência das coisas sensíveis é problemática, é certo que elas "são", uma certeza inscrita numa evidência mais vasta: toda a coisa, seja ela qual for, presentemente objetiva perante o proferidor radical, "é", e, além disso, toda a coisa, sendo, "é o que é" e não outra coisa, sendo essa "quididade" designada como a sua essência.
  • A intuição do ser porta sobre dois elementos: primeiro, que todas as coisas "são", participando igualmente do Ser, que é o mais pequeno denominador comum e a última razão de todas as evidências; segundo, que se todas as coisas "são", nem todas "são" da mesma maneira, distinguindo-se umas das outras pelo que são, ou seja, pelas suas essências.
  • O Ser envolve tudo na sua extensão universal, incluindo o próprio princípio radical, subsume tanto o visto como aquele que vê, e diz-se universalmente de tudo, sendo ao mesmo tempo objetivo e subjetivo.

Ver online : Allard l’Olivier


[ALLARD L’OLIVIER, André. L’illumination du coeur. Paris: Ed. Traditionnelles, 1977]